Washington quer que forças árabes substituam os seus militares na Síria

Ministro saudita diz que Riad poderá contribuir com tropas para coligação alargada contra o Daesh. Mas potenciais parceiros têm interesses diferentes ou antagónicos.

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O novo Conselheiro de Segurança Nacional John Bolton terá sondado o Egipto para participar na missão Carlos Barria/REUTERS

A Administração de Donald Trump está a tentar juntar uma coligação de forças árabes para substituir as tropas americanas na Síria, noticiou o diário Wall Street Journal. A Arábia Saudita não só se disponibilizou para participar como o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Adel al-Jubeir, declarou que Riad já tinha proposto uma ideia semelhante ao antigo Presidente Barack Obama.

A ideia é que esta força ajude a estabilizar o Noroeste do país após a derrota do Daesh, que ainda está em algumas zonas de fronteira – estima-se que haja ainda entre 5000 a 12 mil combatentes do grupo na Síria.

Do lado americano, o plano terá apoio de Erik Prince, o fundador da empresa paramilitar Blackwater, acrescenta o jornal. A Blackwater, que em 2007 esteve implicada na morte de dez pessoas num tiroteio no Iraque (cinco mercenários foram condenados em 2015), ajudou mais tarde os Emirados Árabes Unidos e a Somália a criar forças de segurança privadas.

Prince terá dito, segundo o Wall Street Journal, que foi contactado por líderes árabes sobre um plano para criar uma força para a Síria, mas que esperava para ver o que faria Donald Trump.

O jornalista que escreveu o artigo, Dion Nissenbaum, comentava no Twitter que esta não é a primeira vez que há a ideia de contratar uma empresa privada para substituir militares americanos no terreno: Erik Prince já teria feito esta proposta à Administração Trump para substituir as forças americanas no Afeganistão, mas a ideia foi recusada.

O Presidente dos EUA já disse várias vezes que queria retirar as forças americanas da Síria, sendo avisado do risco que correria ao retirar antes de uma derrota total do Daesh, e mesmo depois, se não assegurar a reconstrução e impedir um ressurgimento.

Ter uma força de outros aliados retiraria a responsabilidade aos EUA, deixando algum controlo para evitar que os jihadistas reaparecessem.

Um responsável da administração indicou que tinham sido abordados responsáveis da Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Qatar e para “darem mais apoio financeiro e contribuírem de um modo mais lato”. Outras fontes disseram que John Bolton, o novo conselheiro de Segurança Nacional de Trump, tinha falado recentemente com o responsável dos serviços secretos do Egipto Abbas Kamel para sondar a disponibilidade do Cairo em contribuir com tropas.

Mas a ideia enfrenta vários obstáculos. Logo no Wall Street Journal, Charles Lister, do centro de estudos Middle East Institute, com sede em Washington, apontou o primeiro: “A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos estão envolvidos militarmente no Iémen, e o Egipto terá relutância em defender território que não seja controlado pelo regime do Presidente Bashar al-Assad”, disse. Michael O’Hanlon, da Brookings Institution, também disse que a nova força teria de "ser suficientemente forte para enfrentar Assad ou o Irão se estes tentarem reclamar território, talvez com a ajuda da Rússia".

Charles Lister acrescenta que “os países árabes dificilmente enviarão forças para a Síria se o Exército dos EUA não mantiver manter algumas tropas” na Síria. E observadores notam ainda que no caso do Egipto, os militares estão empenhados na luta contra jihadistas no Sinai e que raras vezes o país participa em missões fora das suas fronteiras.

O analista Thomas Joscelyn, de outro think-tank de Washington, a Foundation for Defense of Democracies, apontou outros problemas ao site Vice News. Nenhum dos países mencionados teve um papel de relevo na luta contra o Daesh – esse pertence aos curdos que, sublinhou, não são aliados naturais de nenhum dos Estados que poderiam participar nesta força.

Os países mencionados, sobretudo a Arábia Saudita e o Egipto, por um lado, e o Qatar, pelo outro, também têm rivalidades entre si – em Junho do ano passado, os dois primeiros cortaram mesmo relações com o segundo, submetendo-o a um boicote por vários motivos, um deles a sua relação mais próxima com o Irão.

“Em resumo”, declarou o analista, “a Administração Trump quer construir uma nova aliança contra o Daesh na Síria que nunca antes existiu e que juntaria todo o tipo de interesses antagónicos que não estão alinhados com os da América”.

Charles Lister conclui que "não há qualquer precedente para isto se tornar numa estratégia de sucesso".

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