Antes da troika, aumentos na função pública eram uma constante

António Costa não fecha totalmente a porta a aumentos salariais em 2019, mas diz que é extemporâneo abordar o tema em Abril de 2018. Partidos e sindicatos esperam que se retome a normalidade na função pública.

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Nas últimas três décadas, os funcionários públicas perderam poder de compra em praticamente todos os anos. Nuno Ferreira Santos

Desde a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia (em 1986) até 2009 os aumentos salariais na função pública, mais ou menos generalizados, eram uma constante. O ano de 2009 foi o último em que houve aumentos e 2010 marca o início de um longo calvário para os funcionários públicos confrontados com cortes nas remunerações e congelamento das progressões. Só em 2015, já sem a troika em Portugal, se iniciou a reversão dos cortes e em 2018 retomaram-se as progressões. Mas com as legislativas no horizonte, aumenta a pressão para que em 2019 seja retomada a actualização dos salários.

A dúvida que se coloca é se haverá margem para aumentos do próximo ano? Nesta segunda-feira o primeiro-ministro não fechou totalmente a porta a que isso aconteça, mas remeteu a discussão – seja ela qual for – para quadro do Orçamento do Estado para 2019.

No final da sessão de abertura do seminário dos cônsules honorários na Fundação do Oriente, em Lisboa, António Costa lembrou que já foram eliminados os cortes nos vencimentos, salvo aos titulares de cargos políticos, e que está a decorrer o descongelamento das carreiras. “Desde o início da legislatura, todos os anos os funcionários públicos têm visto a aumentar os seus rendimentos, e assim será para o ano, quanto mais não seja com a prossecução do processo do descongelamento das carreiras”, afirmou.

“Se será necessário ou se justificar outras formas, será discutido na altura própria, mas não vale a pena discutir já isso”, acrescentou, dizendo que, a seu tempo, o Governo “olhará para o Orçamento do Estado” para 2019, sendo “extemporâneo colocar-se em Abril de 2018” a questão.

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Mário Centeno, ministro das Finanças, já tinha evitado responder de forma objectiva à questão na sexta-feira passada, quando apresentou o Programa de Estabilidade para os próximos anos. O documento não prevê verbas para subidas nos salários, porém o ministro também não disse que não há margem para alterar este cenário.

Costa sob pressão

A pressão para que em 2019 seja retomada a “normalidade” salarial no Estado vem dos vários quadrantes políticos. Até do PSD. No fim-de-semana, o líder social-democrata Rui Rio lamentou que a melhoria económica não permita aumentar o poder de compra dos funcionários públicos.

Rio lembrou que “repor o poder de compra dos funcionários públicos custaria 300 milhões de euros” e “só na Caixa Geral de Depósitos e no Novo Banco o Estado meteu um total de oito mil milhões de euros”, o que “são 25 vezes mais do que os 300 milhões de euros”.

“Os funcionários públicos vão ver, mais uma vez, o seu poder de compra reduzido. O Governo repôs [os salários], mas os salários sofreram uma erosão acumulada com a inflação. Há que tirar uma conclusão: não há nenhum milagre económico nem a economia nacional é fluorescente”, afirmou no domingo, citado pela Lusa.

Bloco de Esquerda e PCP também têm saído em defesa de aumentos. Nesta segunda-feira, reagindo às declarações do primeiro-ministro, o líder comunista, Jerónimo de Sousa, reconheceu que remeter a questão dos aumentos salariais da função pública para o Orçamento do Estado é “perfeitamente lógica e aceitável”, mas insistiu que é preciso fazer essa ponderação.

Do lado dos sindicatos, a expectativa é que 2019 traga boas notícias. “Acredito que o Governo vai acomodar as condições para não permitir a degradação dos salários da Administração Pública, já que mais de metade dos trabalhadores não terá qualquer mudança de posição remuneratória na sequência do descongelamento e não tem aumentos desde 2009”, afirmou ao PÚBLICO o líder da Federação de Sindicatos de Administração Pública (Fesap), José Abraão.

“Quero acreditar que teremos aumentos salariais em 2019”, acrescentou.

Helena Rodrigues, presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE) afirma que a expectativa dos trabalhadores da função pública e do privado é que o crescimento da economia tenha tradução nos salários. Mas deixa claro que um aumento igual à inflação “é insuficiente”, devido à perda de poder de compra verificada nos anos anteriores.

Aumento real apenas em oito anos

Olhando para o que aconteceu nas últimas três décadas, conclui-se que até 2009 – ano em que os funcionários tiveram o último aumento salarial, de 2,9% assinado por José Sócrates e Teixeira dos Santos – todos os governos reservavam uma parte do Orçamento do Estado para subir os salários dos funcionários públicos.

Na maior parte dos anos (24 em 32) esses aumentos não foram suficientes para compensar a evolução dos preços e em 2003 e 2004, com Manuela Ferreira Leite à frente do Ministério das Finanças, apenas abrangeram as remunerações mais baixas.

De 1986 para cá, os funcionários públicos só tiveram aumentos reais em oito anos. O mais significativo aconteceu em 1986, com Cavaco Silva à frente do Governo. A actualização de 16,4% foi superior à inflação, permitindo um ganho do poder de compra de 3,8 pontos percentuais. Em 2009, com José Sócrates no poder, o aumento de 2,9% acabou por se traduzir num ganho real de 3,7% porque a taxa de inflação foi negativa - o segundo maior desde 1986. O problema é que com o congelamento no ano seguinte e com os cortes dos salários agravados durante os anos da troika, depressa este ganho se desvaneceu, transformando-se numa perda significativa.

Em Outubro de 2014, com a subida do salário mínimo para os 505 euros, uma parte dos trabalhadores do Estado (os de carreiras menos qualificadas) viu pela primeira vez o seu recibo de ordenado alterar-se para melhor. Em 2015, ainda com Passos Coelho no poder, iniciou-se a eliminação dos cortes salariais e com António Costa o salário mínimo subiu de forma significativa acabando por aglutinar as primeiras posições salariais do Estado. Em 2018, as progressões foram descongeladas, mas a tradução desta medida nos salários só se sentirá totalmente no final de 2019 e não abrangerá todos os trabalhadores. *Com Leonete Botelho

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