Francês recebeu um segundo transplante da face

Uma equipa de médicos do Hospital Europeu Georges-Pompidou, em Paris, realizou em Janeiro uma cirurgia inédita: fez um segundo enxerto facial num doente que, após um transplante em 2010, sofreu uma rejeição. O sucesso da operação foi divulgado esta terça-feira.

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Operação começou a 15 de Janeiro e prolongou-se até à manhã do dia seguinte HEGP AP-HP

Já lhe chamam o “homem com três rostos”. Jérôme Hamon tem 43 anos e sofre de uma doença genética (neurofibromatose de tipo 1) que lhe provocou tumores que lhe desfiguraram o rosto. Em 2010 foi submetido a um primeiro transplante que foi um sucesso. Cinco anos depois, uma constipação que o obrigou a tomar antibióticos que se revelaram incompatíveis com o tratamento de imunossupressores, desencadeou um processo de rejeição crónica. Esteve dois meses sem rosto, à espera de um dador compatível. Em Janeiro, revela esta terça-feira um comunicado do Hospital Europeu Georges-Pompidou, em Paris, fez um segundo “enxerto vascularizado da face”. Três meses após a cirurgia, Jérôme Hamon está ainda em recuperação mas pronto para mostrar o seu novo (e terceiro) rosto.

O enxerto facial foi realizado nos dias 15 e 16 de Janeiro por uma equipa liderada por Laurent Lantieri e com o serviço de reanimação anestésica assegurado por Bernard Cholley, adianta o comunicado do centro hospitalar universitário francês. É, anunciam, a primeira vez que se realiza um segundo transplante da face na mesma pessoa. “Três meses após a intervenção, o paciente, ainda hospitalizado, pôde beneficiar de uma primeira saída, e sua saída final está prevista a curto prazo.”

“Aceitei a primeira [face] imediatamente. Desta vez, passa-se o mesmo”, referiu Jérôme Hamon, citado pela BBC. A notícia sobre o sucesso desta operação está a correr mundo e, segundo o relato de vários meios de comunicação, este doente terá sofrido uma rejeição crónica do primeiro transplante após ter tomado antibióticos para tratar uma constipação em 2015. Esta medicação terá interferido com o tratamento de imunossupressores que estava a fazer, na sequência do primeiro transplante.

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Os três rostos de Jérôme Hamon HEGP AP-HP

Jérôme Hamon terá começado a manifestar alguns sinais clínicos de rejeição crónica do primeiro transplante (realizado em 2010) durante o Verão de 2016. Cerca de um ano depois, em Outubro de 2017, o seu nome voltou a contar na lista de espera francesa para este tipo de procedimentos que é gerida pela Agência de Biomedicina. “A gravidade da rejeição exigiu uma completa excisão do rosto no final de Novembro de 2017. O paciente, internado em terapia intensiva, recebeu várias semanas de cuidados diários, particularmente complexos pela ausência de face e pelo estado infeccioso e imunitário relacionado com a rejeição”, refere o comunicado do hospital. Jérôme esperou dois meses, sem rosto, por um dador.

A sua vez chegou e a complexa intervenção cirúrgica começou a 15 de Janeiro, ao início da tarde, e terminou só no dia seguinte ao início da manhã. “Pela primeira vez no mundo, foi demonstrado que, no campo dos enxertos vascularizados compostos (face e mão), é possível uma retransplantação em caso de rejeição crónica.” Aliás, segundo referem, os detalhes técnicos e imunitários sobre esta inédita operação serão objecto de uma publicação científica, que poderá ajudar a responder a questões sobre o risco e benefícios a longo prazo.

Desde a operação, Jérôme Hamon passou por um tratamento imunitário exigente para evitar a rejeição deste segundo transplante, que incluiu sessões de plasmaférese (tratamento médico para remover elementos do plasma sanguíneo) com o objectivo de eliminar os anticorpos susceptíveis de causar uma rejeição. “O paciente também beneficiou de cuidados locais e gerais para facilitar a cicatrização, apoio psicológico e terapia da fala, que deverão prolongar-se por muitos meses.”

Há ainda um longo caminho de recuperação pela frente, mas Jérôme Hamon parece estar preparado para o enfrentar. “Se não tivesse aceitado este novo rosto teria sido terrível. É uma questão de identidade… Mas aqui estou, é bom, sou eu”, referiu Jérôme Hamon, citado pela BBC. E, em declarações a uma televisão francesa, ainda conseguiu ter capacidade para usar o sentido de humor nesta difícil situação: “Tenho 43 anos e o dador tinha 22, por isso voltei a ter 22.”

Transplantes faciais começaram em 2005

No início de 2006, a francesa Isabelle Dinoire apareceu numa conferência de imprensa, poucos meses depois de ter recebido (em Novembro de 2005) o primeiro transplante facial de sempre, e antecipou que o sucesso da sua experiência abria “uma porta para o futuro”. Não só para ela, mas também para as outras pessoas que, por algum motivo, estavam e ficariam desfiguradas. Esta operação pioneira decorreu em Novembro de 2005 e, na altura, foi muito criticada devido aos riscos que comportava. Em 2014 pelo menos 28 pessoas já se tinham submetido ao mesmo procedimento. Actualmente, já terão sido realizadas mais de 40.

O acompanhamento dos enxertos de face realizados até agora mostrou que eles têm uma evolução semelhante a qualquer transplante de órgão. Ainda assim, lembram os médicos, sabe-se que a vida útil do órgão enxertado pode ser limitada por fenómenos de rejeição crónica que podem resultar na sua destruição. No comunicado, o Hospital Georges-Pompidou elogia a capacidade de resposta da Agência de Biomedicina, a Agência Nacional para a Segurança de Medicamentos e Produtos de Saúde e agradece às equipas de especialistas envolvidas nesta operação.

Porém, destaca-se o agradecimento à família do dador que terá permitido que o processo ocorresse de uma forma “particularmente rápida”. “Com o seu gesto altruísta, a família do dador permitiu que esse transplante ocorresse. É importante lembrar que não há transplante sem doação e sem a mobilização diária das equipas de coordenação e extracção de órgãos.”

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