“Não conseguimos controlar a mensagem como fazíamos antes”

A Internet é importante numa campanha política, mas aparecer na televisão e apertar as mãos na rua ainda é crucial, diz o consultor Daniel Ureña.

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As redes sociais estão no centro de um debate político. As eleições presidenciais americanas, as campanhas do “Brexit”, o fenómeno das notícias falsas e o escândalo recente do uso de dados do Facebook pela consultora Cambridge Analytica vieram mostrar o potencial destas plataformas para distorcer mensagens e para chegar a eleitorados de novas formas. Mas as ferramentas da Internet ainda não são tudo, e os meios tradicionais têm um papel importante, argumenta o consultor Daniel Ureña.

Ureña é director geral da MAS Consulting, uma firma especializada em campanhas políticas e assuntos públicos. Também preside ao Hispanic Council, um think tank em Madrid que promove as relações espanholas com os EUA. Numa conversa com o PÚBLICO, em Lisboa, observou que a Internet trouxe uma grande diferença para quem faz uma campanha: a comunicação é mais fluida e as mensagens são agora mais difíceis de controlar.

O que mudou nos últimos dez anos na forma como um político usa a Internet num contexto eleitoral?
Os políticos estão mais atentos ao uso dos media sociais, estão mais preocupados em saber como tirar partido do Twitter, Facebook, Instagram, o que seja. É uma tendência. As pessoas procuram informação através dos media sociais. Há dez anos as pessoas liam os jornais. A Internet tornou-se uma ferramenta de comunicação para os políticos. Os media perderam o monopólio da opinião, da informação, da análise. Essa é uma grande diferença. As campanhas antes eram mais controladas. Hoje há imensas pessoas a fazer vídeos e memes [as mensagens que frequentemente recorrem a imagens e ao humor para se disseminarem pelas redes sociais].

Isso não é um lado mais negro destas ferramentas? A ideia de criar memes, que são mensagens simplistas e feitas para se espalharem pela Internet? Que conselhos dá a um político em relação a esse tipo de estratégias?
Construir uma mensagem para Internet não é muito diferente de construir uma mensagem para televisão ou rádio. É preciso uma mensagem simples, que seja fácil de perceber, que seja emocional. Um político tem de perceber que as regras do jogo mudaram e nem todos os políticos percebem isso. Esse é o maior desafio para mim. É muito difícil trabalhar com um político que diz que não percebe o Twitter ou o Facebook.

Em que ponto de adopção e de compreensão das ferramentas é que a generalidade dos políticos está?
Depende dos países. Muitos deles vêem a Internet como uma coisa táctica. Não têm uma visão estratégica. Para eles, é mais um canal de comunicação. Como os cartazes na rua.

Ao contrário dos cartazes, na Internet a mensagem pode espalhar-se, e ser modificada, por outras pessoas.
Isso é algo que encontramos neste novo contexto. Não conseguimos controlar a mensagem como fazíamos antes. As campanhas eram mais fáceis no passado. Se eu quisesse abordar as pessoas do centro-esquerda, sabia que estavam ali, que liam aquele jornal… Agora é mais fluido.

Mas agora é possível ir ao Facebook e direccionar muito mais as mensagens. Acha que as redes sociais são ferramentas fundamentais numa campanha ou estamos a exagerar o papel que têm?
Não acho que os media sociais sejam a chave do sucesso. É preciso usá-los e tirar proveitos deles. Mas a TV ainda é o meio mais importante. Se queremos moldar a opinião pública, temos de estar na TV. Os jornais impressos ainda são influentes para definir os assuntos do dia. As rádios citam o que está nos jornais do dia. Hoje é preciso usar todos os media. É um erro focarmo-nos só no Twitter ou Facebook. É preciso apertar as mãos às pessoas, estar na televisão e na rádio. E também estar nestes novos meios. Já têm uns 20 anos, mas ainda lhes chamam novos meios.

Tem sido um tema quente: o impacto do Facebook no funcionamento das democracias. Na sua opinião, este impacto é positivo ou negativo?
É uma oportunidade para os bons e para os maus. É bom que as pessoas tenham mais acesso àquilo que os governos estão a fazer e àquilo que os políticos pensam. Mas também é mais fácil moldar a opinião pública, disseminar notícias falsas, passar uma mensagem que não é verdade. A responsabilidade [ao usar estas plataformas] é maior do que antes.

E no fim de contas estamos melhor ou pior?
Sou um optimista. Acho que estamos melhor do que antes. Não estamos no melhor momento em termos de lideranças políticas. Aquilo de que não gosto no actual espectro político é que temos muitos políticos que vêem apenas a curto prazo.

O think tank a que preside publicou um vídeo sobre a Catalunha, em inglês, que se espalhou na Internet. Quem era o alvo desse vídeo?
Durante esses meses loucos, muitas pessoas dos EUA perguntavam-nos: “O que se está a passar na Catalunha?” Decidimos explicar isso de uma forma simples, directa e visual. É claro, o Hispanic Council defende a unidade de Espanha, a Constituição. Estávamos a pensar numa audiência fora de Espanha. Mas foi um fenómeno viral dentro de Espanha. As pessoas que defendiam a constituição precisavam de um elemento de comunicação, o outro lado era muito agressivo.

O vídeo dura menos de dois minutos. É curto e simplista. Estas estratégias não simplificam demasiado? Não estão sacrificar a compreensão dos temas em troca de alcance e de fazer com que as coisas se tornem virais na Internet?
Seria assim, se só tivéssemos esse vídeo. Mas o vídeo é só mais uma ferramenta. É como um professor que tenta explicar uma coisa complexa de forma simples. Acho que essa é uma das definições de comunicação.

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