Russos e sírios atrasam entrada de peritos de armas químicas em Douma

Inspectores da Organização para a Proibição de Armas Químicas deveriam ter chegado no sábado. A nova data prevista é quarta-feira.

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Habitantes de Douma, onde os peritos em armas químicas ainda não conseguiram chegar Ali Hashisho/REUTERS

Os inspectores da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) que estão na Síria continuavam à espera das autoridades sírias e russas para chegarem a Douma, local de um suspeito ataque químico no dia 7 de Abril, denunciou esta segunda-feira a organização. Horas mais tarde, um responsável do Ministério da Defesa da Rússia, Igor Kirillov, anunciou que os peritos poderão estar no local esta quarta-feira.

O director-geral da OPAQ, Ahmet Üzümcü, declarou antes que os inspectores (que voaram para a Síria na quinta-feira), tinham recebido informação de que ainda “havia questões de segurança pendentes antes de poder acontecer qualquer deslocação”.

A organização com sede em Haia também se manifestou pela primeira vez sobre a credibilidade das alegações sobre um ataque químico: após uma análise preliminar dos peritos à informação disponível, “as alegações foram consideradas credíveis e requerem mais investigação”, declarou Üzümcü.

Entretanto, acrescentou Üzümcü, as autoridades sírias ofereceram-se para pôr ao dispor da equipa de peritos 22 testemunhas que estavam em Douma mas poderiam ser levadas até Damasco.

Peritos têm avisado que vestígios de gases como os que se suspeita que foram usados desaparecem rapidamente, e que qualquer missão de investigação teria de chegar muito depressa ao terreno.

Tentando contactar testemunhas, jornais como o Financial Times relatavam dificuldades e notavam que estando a cidade agora sob controlo das forças de Bashar al-Assad poderia haver relutância de habitantes em descrever um ataque que o regime nega.

Na sequência do ataque, em que se estima terem morrido 75 pessoas e ficado feridas centenas, os rebeldes que combatiam as forças de Assad renderam-se e foram deslocados para outra zona controlada pela oposição. Foi a primeira vez que a região de Ghouta Oriental ficou sob total controlo do regime em mais de cinco anos.

"Uma encenação"

As tropas russas estiveram no terreno após a rendição dos rebeldes e negaram ver qualquer sinal de uso de armas químicas. Num debate no Conselho de Segurança da ONU, o embaixador russo Vasili Nebenzia disse que não houve qualquer indício de ataque químico e que os russos não conseguiram “encontrar nem uma testemunha”. 

No encontro da OPAQ desta segunda-feira, o enviado norte-americano à organização, Kenneth Ward, disse que “os russos podem ter visitado o local do ataque” e que os EUA estão preocupados com a possibilidade de o terem feito com “o objectivo de dificultar os esforços da missão da OPAQ em conduzir uma investigação eficaz” sobre o uso de armas químicas.

A embaixada da Rússia negou interferências na investigação. O embaixador de Moscovo na OPAQ disse que o ataque foi “uma encenação”.

E a Rússia voltou a acusação para os EUA, Reino Unido e França, alegando que estes teriam levado a cabo o ataque da madrugada de sábado contra instalações ligadas a armas químicas na Síria como tentativa de dificultar o apuramento dos factos. Os EUA, Reino Unido e França lançaram mísseis contra três instalações ligadas a armas químicas e não contra qualquer alvo em Douma, onde ocorreu o suspeito ataque químico. Washington avisou que se o regime de Assad voltar a usar armas químicas, os EUA voltarão a atacar.

A Rússia diz agora que os inspectores poderiam ter tido acesso se não tivesse acontecido o ataque dos três aliados. “Para chegar a um local que acabou de ser bombardeado consegue-se imaginar que haja alguns problemas logísticos”, disse o número dois da missão da Rússia na ONU, Dmitri Polianski, para justificar o atraso. Já o número dois do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Sergei Riabkov, apontou uma falta de permissão da ONU para a missão. A ONU já refutou a afirmação, dizendo que os inspectores têm as credenciais necessárias.

O embaixador do Reino Unido na OPAQ, Peter Wilson, afirmou que a organização já registou mais de 390 incidentes de uso ilícito de munições proibidas na Síria desde 2014, a data em que o regime de Bashar al-Assad teria completado a destruição do seu stock de armamento químico, após um acordo patrocinado pela Rússia no ano anterior. A Síria aderiu então também ao tratado que proibiu o uso de armas químicas e à OPAQ.

Alerta sobre hackers

Enquanto isso, Washington e Londres emitiram um raro aviso (um “alerta técnico”) à indústria sobre um aumento de ciberactividade russa, com o objectivo de “apoiar espionagem, subtrair propriedade intelectual, manter acesso continuado às redes das vítimas e criar potencialmente uma base para operações ofensivas futuras”, cita o diário britânico The Guardian.

“Esta é a primeira vez que ao atribuir um ataque informático à Rùssia os EUA e o Reino Unido se juntam para um aviso à indústria sobre o modo como gerir o risco de ataques”, dizia o comunicado do responsável do Centro de Cibersegurança do Reino Unido, Ciaran Martin.

Na sequência do ataque dos três aliados a instalações químicas na Síria, observadores especularam que a mais provável resposta russa não viria sob a forma de acções militares na Síria (onde a situação actual é favorável a Assad e a Moscovo) mas sim sobre acções de “guerra assimétrica”, como ataques informáticos. 

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