‘Caro Benfica’, nem todas as cartas de amor são ridículas

É tão bom ser do Sport Lisboa e Benfica. ‘Percebo que tenhas paixão por um clube, mas não percebo por que não é o Benfica’. Pedro Ribeiro só gosta deste, e de nenhum outro. É Benfica, vive e ama, simplesmente. E deixa-se ficar.

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Pedro Ribeiro acompanhado por um dos seus quatro filhos no Estádio do Sport Lisboa e Benfica D.R.

É embaraçoso, mas temos que te dizer isto Fernando Pessoa. Tivesses tu vivido o Benfica, e não apenas vivido em Benfica, e nunca o teu eu lírico, Álvaro de Campos, teria escrito ‘todas as cartas de amor são ridículas’.  

Ora lê Pedro Ribeiro – que também faz prosa na rádio – e escreveu a mais curta carta de amor da história ao Sport Lisboa e Benfica. Até pode ser um lugar comum, mas é certamente um lugar bonito.  

“Caro Benfica, já perdi a conta a tantos jogos teus que vi, às vezes em que chorei, de tristeza e de alegria. Em que sempre, mas sempre, acabei o dia a pensar: tão bom ser do Benfica. Pertencer a esta identidade visceral, este querer e crer, este irracional amor, está ânsia de te ver, estar contigo, fazer parte de ti. Ser do Benfica, tão bom. Ganhar por nós e não contra ninguém. Ser o maior. Ser o Glorioso. Incomparável.”

Como pode ser ridículo escrever, sentir, viver e respirar esdruxulamente uma coisa assim tão boa como o amor? Pedro Ribeiro é obviamente, manifestamente, patentemente do Benfica. Nele, o benfiquismo é quase fisiológico, é sanguíneo, fleumático, colérico e melancólico, na medida em que é um tipo de fluído que lhe corre por dentro. Apesar de se tratar de uma evidência, não é – para o próprio – fácil de verbalizar. “Os amores, por definição, não se explicam. Para saber quando é que comecei a ser do Benfica, precisava de me lembrar de uma altura em que não tivesse sido, mas nesse caso não há um antes e um depois. Eu conheço-me benfiquista desde sempre, desde muito miúdo, aos 5 anos, a jogar à bola na primária, já era o Nené e o Chalana. Eu não sei porque é que sou benfiquista, mas sei que não podia ser outra coisa qualquer.”

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Pedro também teve os seus ‘influenciadores’, para que não se pense que este é um exclusivo dos tempos modernos. “Lembro-me de um motorista da carrinha que me transportava para a escola. Convenientemente tinha bigode, chamava-se Zé Manel e era do Benfica. E, se calhar, é a primeira grande influência. Nem ele imagina.”

Com o pai, cedo viu a Luz. “Lembro-me de ir ao estádio da Luz com o meu pai. Ele tinha lugar cativo e eu tenho memórias muito boas daquele estádio, e de ali ter formado a minha consciência benfiquista. Aquela noção de que és benfiquista, de que pertences àquele clube e de que aquele clube te pertence.” É certo que estes influenciadores tiveram trabalho fácil-fácil. É que, ao que parece, somos todos Benfiquistas, mesmo antes de sermos gente.

A teoria de Pedro Ribeiro pode estar prestes a ser confirmada e tem como alvo de estudo quatro indivíduos: os filhos. Três dos quais são já águias-reais. Só falta uma, a Carminho, de um ano. “À Carminho não sei bem o que vai acontecer, porque a minha mulher é do Sporting. Mas como me parece ser uma bebé inteligente e sensível, penso que rapidamente vai adquirir a costela benfiquista. Portanto, vamos só deixar o tempo encarregar-se de lhe mostrar o que é a vida. Aliás, toda a gente é do Benfica até prova em contrário. É o que acontece com ela: já é, mas ainda não sabe.” Pelo sim, pelo não, já é sócia.

O Sport Lisboa e Benfica, Glorioso para os mais chegados, carrega às costas uma vida de 114 anos, trinta e seis títulos de campeão nacional, um tetra, que já só quer ser penta [aguenta coração], a camisola berrante vermelho-bravura e branco-paz, Eusébio, Coluna, Chalana, Nené, Bento, Veloso, Simões, Humberto Coelho, José Augusto, Shéu, Toni, Torres, Diamantino. [Recomenda-se fôlego] Ainda: Rui Costa, Nuno Gomes, Mozer, João Vieira Pinto, Simão Sabrosa, Pablo Aimar, Michel Preud’homme, Jonas. Tudo isto é tanto, tudo isto é tão pouco. “O Benfica é tão especial, é tão maior do que as pessoas, é uma coisa que só se sente. É amor, é paixão, é tudo junto. É uma questão de permanência, que atravessa a infância até ao fim da vida. É uma coisa que vai ficando sempre, é um amor que nunca esmorece, é uma relação passional.” Não vale a pena consultar um ‘benficólogo’, os amores passionais são mesmo assim. “Já me zanguei muitas vezes com o Benfica. Discutimos, amuamos, e zangamo-nos, mas depois fazemos sempre as pazes. Há muito mel. Fazemos sempre as pazes porque isto é um amor para toda a vida. Não há aqui elementos racionais. Simplesmente vives e sentes. É assim com o Benfica.”

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Ai Benfica, Benfica, não deixes nunca essa chama intensa, imensa, figadal apagar-se. De ti dependem muitos Pedros Ribeiros, muitos emigrantes, muitos estrangeiros, muitas terras e gentes, muita festa e farra. De ti, SLB, depende um músculo oco, com a forma parecida à de um cone, que fica ali entre os dois pulmões e bombeia sangue através dos vasos. São os corações, Benfica. Corações!

 “O Benfica dá-me uma alegria e uma honra permanentes, só por fazer parte, por me deixar ser do Benfica. É tão bom se r benfiquista. Quem não é, não faz ideia do bom que é ser do Benfica. É mesmo bom fazer parte desta coisa tão maior do que nós. Dá-me uma alegria enorme ser do Benfica, todos os dias. Todos os dias. Percebo que as pessoas possam ter outra paixão, mas não percebo porque não têm pelo Benfica. Que razão teria eu para não ser do Benfica?