A morte de Vittorio Taviani é o fim de um cineasta chamado irmãos Taviani

Morreu este domingo em Roma Vittorio Tavani (1929-2018), que com o seu irmão Paolo realizou alguns filmes maiores do cinema italiano, como Padre Padrone, A Noite de S. Lourenço ou o recente César Deve Morrer.

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Tobias Schwarz/REUTERS

O realizador italiano Vittorio Taviani, que ao longo de meio século e de duas dezenas de filmes construiu com o seu irmão Paolo uma das mais relevantes filmografias do cinema italiano do pós-guerra, morreu este domingo em Roma aos 88 anos. Padre Padrone, que recebeu a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 1977, é o filme que consagrou internacionalmente os irmãos Taviani, mas não faltam outras obras notáveis no cinema simultaneamente político e poético desta perene dupla autoral.

A morte do mais velho dos irmãos Taviani – Paolo, que lhe sobreviveu, nasceu em 1931 – foi anunciada pela filha do realizador, a ensaísta e documentarista Giovanna Taviani. Vittorio estava doente há anos, e no filme que Paolo Taviani realizou em 2017, Una Questione Privata, o irmão ainda aparece como argumentista, mas, pela primeira vez, já não é creditado como realizador.

Se o cinema teve e tem outras duplas célebres, a parceria dos Taviani obedeceu sempre a uma invulgar metodologia de trabalho: cada um dos irmãos dirigia uma cena à vez, com o outro a assistir, mas sem interferir. "Temos personalidades diferentes, mas a mesma natureza. As nossas escolhas na vida e na arte são as mesmas", disse Vittorio numa entrevista ao jornal britânico The Guardian, em 2013.

Nascido em San Miniato, na Toscana, Vittorio Taviani era filho de um advogado antifascista e ele próprio chegou a estudar Direito na Universidade de Pisa, enquanto frequentava o cineclube local e organizava projecções de filmes com o irmão e com um amigo de ambos, Valentino Orsini, que colaborará com os Taviani em várias curtas-metragens e no documentário San MiniatoIuglio’44, cujo argumento teve ainda a participação de Cesare Zavattini, o argumentista de Ladrões de Bicicletas.

A grande inspiração dos Taviani é então o neo-realismo, e em particular Rossellini. Vittorio, que trabalhou algum tempo como jornalista, dirá mais tarde que o filme que o levou a interessar-se pelo cinema foi Libertação (Paisà, 1946). E seria o mesmo Rossellini que, poucos dias antes de morrer, presidiria ao júri que, em Maio de 1977, atribuiu aos irmãos Taviani a Palma de Ouro de Cannes por Padre Padrone.  

Depois de colaborarem com Joris Ivens no documentário A Itália Não É Um País Pobre (1960), os Taviani voltam em 1962 a colaborar com Orsini na sua primeira longa-metragem de ficção, Uomo da Bruciare (traduzível por Um Homem para Queimar), inspirada na história verídica de um sindicalista (interpretado por Gian Maria Volonté) assassinado pela Máfia siciliana em 1955. Um filme corajoso, que venceu o prémio da crítica na Mostra Internacional de Arte Cinematográfica de Veneza e cuja dimensão moral antecipa uma das marcas principais da cinematografia dos Taviani.

Teve menos sucesso o filme seguinte, mais uma colaboração com Orsini, I Fuorilegge del Matrimonio (1963), um docudrama sobre a não legalização do divórcio na Itália da época, com Ugo Tognazzi e Annie Girardot nos papéis principais.

Os Subversivos (1967), um mosaico de histórias que mostra o impacto da morte do líder do Partido Comunista Italiano Palmiero Togliatti na vida de quatro pessoas, é a primeira longa-metragem realizada apenas pelos irmãos Taviani.

Antes da consagração com Padre Padrone, os Taviani dirigem ainda Sotto il Segno dello Scorpione (1969), cuja acção decorre na pré-história, e São Miguel Tinha Um Galo (1972), adaptado de um conto de Tolstoi, cujo herói é um anarquista condenado a prisão perpétua que inventa para si próprio um universo de fantasia, mas que irá perceber que os seus ideais passaram à história no mundo real. O tópico do anarquismo será retomado em Que Viva a Revolução (1974), no qual um ex-líder anarquista (interpretado por Marcello Mastroianni) quer deixar o combate político, mas é pressionado pelos seus correligionários a permanecer.

A opção de adaptar obras literárias também é frequente na obra dos Taviani, que regressaram a Tolstoi para o telefilme Ressurreição (2001), adaptaram em 1996 As Afinidades Electivas de Goethe e se inspiraram em vários contos de Pirandello para realizar Kaos (1984), um dos seus filmes mais belos e poéticos. 

Depois do sucesso de Padre Padrone, baseado na autobiografia de um pastor autodidacta que conseguiu educar-se contra a vontade de um pai autoritário e brutal, os Taviani voltaram a ser premiados em Cannes com A Noite de S. Lourenço (1982), que conta a história de um grupo de homens que, em 1944, foge da sua aldeia para tentar chegar a uma zona já libertada pelos Aliados. O protagonista é novamente Omero Antonutti, que já interpretara o pastor de Padre Padrone.

E se a obra dos anos 80 e 90 foi tendo um sucesso algo desigual junto da crítica e do público, César Deve Morrer, de 2012, que se passa numa prisão de alta segurança italiana onde mafiosos e assassinos representam a peça Júlio César de Shakespeare e vão percebendo que o texto tem algo a dizer às suas conturbadas vidas do século XXI, foi unanimemente saudado como uma inesperada obra-prima tardia de Vittorio e Paolo Taviani. O filme ganhou o Urso de Ouro do Festival de Berlim, um prémio que o cinema italiano não recebia desde 1991.

Uma adaptação de textos do DecameronMaravilhoso Bocaccio (2015), foi o último filme realizado por esse singular cineasta que se chamou irmãos Taviani.

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