“Nas terras do fim do mundo também há coisas boas”

Duas irmãs deixaram a congregação para cumprirem um sonho antigo: a de ter uma casa aberta a todos. Nesta quinta perto de Maceira planta-se biológico, acolhe-se quem bater à porta, dá-se a mão a todos. Até para fazer azeite.

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Sebastião Almeida
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Um letreiro dá as boas-vindas assim que se entra para um típico pátio rural, de terra batida, com “casinhas” em paredes de pedra, eiras, canteiros e plantas rasteiras entre árvores de grande porte. Margarida e Eduarda aguardam à porta da associação que criaram para acolher “todos os que ali queiram entrar”.

“Já viram se houvesse uma casa onde as pessoas pudessem ir falar e ser escutadas? E que estivesse sempre aberta para acolher e ajudar pessoas?”. É Eduarda Barbosa que, embora não tenha sido fundadora da associação é uma das pessoas que a ajuda a seguir em frente, quem se serve da pergunta para contar como nasceu a Nascentes de Luz. Foi de um “desejo muito grande de ajudar muita gente”, diz Margarida Monteiro, que há oito anos pôs mãos à obra para transformar a casa onde nasceu, e que estava “em ruínas”, num espaço aberto à comunidade.

A fachada é de uma casa típica de meados do século passado, na Costa de Baixo, freguesia da Maceira, não muito longe da Batalha. Margarida nasceu nesta casa há 72 anos. Aos 23, ingressou na congregação de São José de Cluny, em Braga. Seguiu depois para os Açores, onde acabaria por conhecer Eduarda.

Embora feliz na vocação que tinha escolhido, Margarida teve sempre uma “inquietação” que não a deixava sentir-se completamente realizada. Entre passagens por várias partes do país, passou dois anos na Amazónia, no Brasil. “Havia uma casa que recebia pessoas, onde eram acompanhadas pessoalmente”, conta. Não teve dúvidas: “É isto, é isto que eu quero fazer. E fez-se luz: é na casa pais que os meus me deixaram que a gente vai fazer uma coisa destas”.

Margarida mostra então a casa em que os pais e os avós maternos moraram e lhe deixaram de herança. É ali que vive desde 2007, quando decidiu abandonar a congregação. “Não foi fácil. Mas sinto-me no meu lugar aqui”, desabafa. 

A partir daí foi começar tudo do zero, sozinha. A casa estava “em ruínas”. Era preciso reabilitá-la. Sem recursos, as ajudas não tardaram a aparecer. Primeiro da família, da irmã Fátima, que também sonhava com uma obra social ali, depois dos amigos. Bateu-lhe à porta um arquitecto que ofereceu o restauro da casa, porque o projecto era “bonito”, recorda Margarida.

A casa começou a ser reconstruída e outros anexos foram tomando forma. Até que um dia um primo lhe disse: “É muito bom o que queres fazer e é necessário na nossa terra. Só que sozinha não vais a lado nenhum. Cria uma associação e nós cá estamos para te ajudar”. Isto foi em Setembro de 2009. Em Janeiro, estava criada a Nascentes de Luz.

Entre idas e vindas para ajudar Margarida a erguer a associação, Eduarda acabou por decidir abandonar também a congregação e mudar-se para a Costa de Baixo em 2014. “Comecei a sonhar acordada. Uma casa velhinha onde as pessoas que hão-de ser ajudadas, hão-de ser elas mesmas a restaurá-la. Há-de ser uma casa aberta a toda a gente, a qualquer hora. Com fé ou sem ela, crentes ou não”, conta Eduarda.

“Nós passamos a mensagem cristã, venham de onde vierem, venham com a fé que têm ou sem ela”, diz Eduarda. “Mas o nosso forte não são as coisas religiosas por uma razão muito simples: nós não viemos para fazer o que está feito”, completa Margarida.

Por isso, apostaram, em 2012, num projecto de permacultura. “É para nos ensinar a cuidar da terra e das pessoas. É isto que nós queremos: cuidar da terra e do quintal do meu avô, de uma maneira sã, de uma maneira ecológica”. Fazem oficinas de agricultura biológica, de alimentação vegetariana, macrobiótica, de conhecimento pessoal (ambas as irmãs têm formação nessa área), de ginástica sénior. No final de cada sessão, é distribuído um envelope a cada participante que dá o que pode e o que acha que deve dar. Uma parte reverte para o formador, a outra vai para a associação.

Da permacultura ao azeite biológico

Pelo terreno de 12 mil e tal metros quadrados, há vários anexos identificados com placas de madeira, que servem diferentes funções. Há um grande salão transformado em cozinha comunitária, onde manteve o forno da avó, e se recebem grandes grupos.

Avançando, um palheirão foi totalmente renovado para ser uma ampla sala para reuniões, assembleias ou encontros de grupos, como os escuteiros da Maceira, que costumam ajudar na limpeza e no restauro destes espaços. Ainda hoje, esta é uma casa que está a ser feita por todos, entre voluntários, instituições locais, a paróquia da Maceira e a junta de freguesia.

Quem ali quiser passar uns dias por qualquer razão, é acolhido na própria casa das irmãs, onde há um cantinho para a oração, salas de reuniões, quartos de visitas e um sótão - “como os dos filmes" - cheio de colchões, onde costumam pernoitar escuteiros e outros grupos em viagem.

Além disso, apoiam famílias com menos recursos como a de João, Lurdes e Vítor Violante que produzem azeite. “Vieram para aqui para não estar em casa sozinhos. Eles têm algumas oliveiras, foram apanhar a sua azeitona e, ao verificarem que havia muita gente que não a apanhava, ofereceram-se para colher, limpar as oliveiras e ficar com a azeitona”, conta Margarida. E o azeite fez-se. E é “do bom, biológico, com 0,3% de acidez”, garantem as irmãs.

"Eu não gosto de estar aqui. Eu adoro"

À volta da casa, além dos salões restaurados, há outros espaços à espera de obras. “Vamos fazendo aos poucos, conforme as ajudas que recebemos e o crescimento natural da associação”, diz Margarida, enquanto mostra o “shopping do avô”, “a mercearia onde havia tudo o que era preciso”, ainda o chão coberto de feno e todos os sinais da passagem do tempo. Mesmo ao lado, a “casa da avó” já foi melhorada e serve para acolher o depósito de roupa e outros bens oferecidos. Está montado um serviço “dar e receber” organizado por uma equipa de voluntários, que faz depois chegar os bens a famílias, instituições, aqui e além-fronteiras. 

Cá fora, seguindo por caminhos com seixos, a “farmácia do quintal”, como lhe chama Margarida, enche-se de canteiros com ervas medicinais, chás, flores comestíveis.

Quando começou, a preocupação de Margarida era o que poderia acontecer, no futuro, ao seu projecto e a esta quinta. Oito anos depois, não há grandes razões para alarme. São mais de 200 associados e a associação integra a Rede Europeia Anti-Pobreza.

No ano passado, 20 pessoas ali acorreram para descansar e ser acompanhadas “em situações dolorosas e difíceis”. De Lisboa, Figueira da Foz, Bragança, Portalegre, Açores, Madeira e até do Brasil. As obras continuam ao ritmo do trabalho (e da boa-vontade) de voluntários e do dinheiro que vai estando disponível. Mas não há grandes pressas, admitem as irmãs.

Já depois do almoço servido, chega Irene, de 79 anos, que para ali vai ajudar as irmãs desde Setembro. “Arranjaram-me esta casinha onde me sinto tão bem. Eu não gosto de estar aqui. Eu adoro”. É assim como Margarida diz: “Nas terras do fim do mundo, também há coisas boas”.

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