Embalados por sonhos de rainhas e divas da Sétima Arte

Se há espaços onde sentimos que poderemos apenas passar uma noite descansada, também há os que nos levam a outros voos, tamanha a história que guardam as suas paredes. É o caso do María Cristina, em Donostia-San Sebastián.

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São mais de cem anos a servir de palco a episódios da História nacional e mundial: desde a inauguração, com a presença da rainha María Cristina que lhe deu nome, não esquecendo o período em que se converteu, à força, em quartel-general das tropas aliadas à revolução durante a sangrenta Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Hoje, membro da exclusiva rede Luxury Collection, o Hotel María Cristina não renega as suas origens, tendo mantido a memória da Belle Époque de que foi testemunha, ao mesmo tempo que se modernizou, com uma ampla renovação há seis anos, que o colocou entre as mais exclusivas unidades mundiais.

O glamour de outros tempos sente-se assim que chegamos e somos acolhidos num amplo hall, cujo peso do passado parece ser suportado pelas enormes colunas em mármore trabalhado e que resistem desde o primeiro dia. A receber-nos, o retrato da monarca, segunda esposa de Afonso XII e, a contragosto, rainha regente entre 1885 e 1902, durante a menoridade do seu filho Afonso XIII, que tomou posse com apenas 16 anos.

Não se pense, porém, que a ostentação seja agressiva: o recurso a uma paleta de cinzas parece cortar os dourados e os cristais na medida certa, sem que se perca a sensação de se estar de facto num sítio especial. A contrastar com uma decoração que transmite opulência, o burburinho e os risos que percorrem amiúde os corredores do primeiro piso, onde se encontra o bar, tornam o ambiente descontraído. Nada que perturbe o serviço, que prima pela eficiência discreta e por um exuberante e apelativo menu de cocktails, idealizado por Javier de las Muelas, nome ligado a bares bem-sucedidos, nomeadamente ao Dry Martini Barcelona, regularmente colocado entre os melhores do mundo. Por isso, não é de admirar que pelos espaços anexos ao bar se cruzem gentes dos quatro cantos do mundo, mas também muitos donostiarras, que acham aqui o ponto de encontro ideal de fim de tarde.

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Estórias da História

Tendo nascido a partir da ideia da Sociedad de Fomento de San Sebastián, um grupo que se reuniu no início do século XX com a intenção de transformar a cidade basca, o hotel teve desenho do francês Charles Mewès (1858/1860-1914), cujo currículo incluiu os hotéis Ritz Paris e o londrino Carlton, além do edifício do britânico Royal Automobile Club. Ao mesmo tempo que o hotel, era alicerçado outro edifício histórico para a cidade, o Teatro Victoria Eugenia, por sua vez com cunho do arquitecto Francisco de Urcola.

O propósito, tirando partido da localização privilegiada da localidade, era transformar San Sebastián num reduto da aristocracia europeia. E a missão foi bem-sucedida, com personalidades ligadas à política, à cultura e à arte a encontrarem aqui um escape. Mesmo após o eclodir da Grande Guerra, em que pelo hall do hotel se cruzavam gentes de toda a Europa. O fim do conflito mundial foi, porém, mais gratificante, com San Sebastián a converter-se no sítio onde todos queriam marcar presença — exemplo disso são os desfiles de estilistas de renome como os das casas Worth, Jean Patou, Paul Poiret e  Coco Chanel.

No entanto, nem tudo na história do hotel é glamour. E as lembranças negras da Guerra Civil Espanhola fazem parte do rol de acontecimentos. Ainda assim, ressalve-se, a estrutura acabaria por revelar poucos danos consequentes. E, na década de 1940, após uma primeira reforma e inclusão de uma nova ala (que converteu a estrutura em “L” para uma em “U”, que se verifica actualmente), o Hotel María Cristina voltou à ribalta, tendo ganhado um outro fôlego quando a cidade passou a acolher, em 1953, o Festival Internacional de Cinema de San Sebastián. À medida que nomes maiores da Sétima Arte passavam por ali — Gregory Peck, Glenn Ford, Julie Andrews, Kirk Douglas, Robert Mitchum, Robert De Niro, Sophia Loren, Elisabeth Taylor, Woody Allen, Susan Sarandon, Bette Davis, Lauren Bacall, Al Pacino, Michael Douglas, Peter O’Toole, Julia Roberts, Brad Pitt, Mel Gibson são apenas alguns dos nomes que já pernoitaram aqui... —, as melhorias iam sendo trabalhadas e, durante a década de 1970, adaptou-se aos tempos sem perder pitada de glamour: houve ampliação de quartos, foram instaladas casas de banho em todos os aposentos, o mobiliário foi renovado e foi inaugurada uma sala de Bingo. Outras renovações seguiram-se, sendo uma das mais significativas a efectuada em meados dos anos 1980, que lhe angariou as cinco estrelas que ainda hoje ostenta.

Ode ao luxo

Desde 2012, ano em que celebrou o seu centenário — e após uma reforma profunda que implicou o seu encerramento durante quase um ano —, o María Cristina reabriu como um dos privilegiados a nível mundial a exibirem o selo Luxury Collection da rede Starwood Hotels & Resorts Worldwide. Além das modernizadas infra-estruturas, foram revistos todos os parâmetros de conforto, não se deixando nada ao acaso.

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No entanto, o passado voltou a ser honrado e a decoração, revista pelos decoradores do atelier internacional HBA, reflecte e comemora a Belle Époque — há inclusive objectos utilitários desse período que servem hoje de meros elementos decorativos —, ainda que lhe tenha juntado alguns pormenores que trazem o hotel para o século XXI, sobretudo notório nos aposentos, entre 108 quartos e 28 suítes, e que fazem ainda o elogio ao mundo feminino: “A criação de uma narrativa de design em torno de mulheres poderosas fez sentido desde o início”, explicou o estúdio responsável por altura da renovação, evocando não só a rainha que lhe dá nome como todas as mulheres que por ali passaram. Uma das mais emblemáticas dá hoje nome a uma suíte, após autorização formal da família. A criação da Suíte Bette Davis era óbvia depois de a actriz ter aí ficado diversas vezes, tendo sido aqui, em 1989, a sua última aparição pública, durante a edição do Festival de Cinema, à qual fez questão de comparecer para receber o Prémio Donostia, mesmo debilitada — a musa do cinema viria a morrer em Outubro do mesmo ano.

O primeiro detalhe que se observa é o espaço: mesmo o mais pequeno dos quartos não pode ser descrito como acanhado. Claro que a opção por uma decoração em tons neutros, desafiada por peças de mobiliário escuras e robustas, ajuda nesse sentido. O corte colorido é feito com as telas sobre a cama — no nosso caso, uma abstracção em tons de rosa, roxo, amarelo, marrom. Mas se na decoração parecemos voltar no tempo, nas comodidades não temos dúvida de estarmos no século XXI: serviço de quartos de 24 horas; médico, florista e babysitter sob pedido; aconselhamento e acompanhamento; acesso à Internet sem fios; sistema integrado de boas-vindas no ecrã de TV que permite consultar e adquirir uma série de funcionalidades.

Depois, o imprescindível: dentro do quarto, o silêncio é sepulcral, respeitando o descanso de forma primorosa, e nem os habituais ruídos do ar condicionado parecem existir. Tudo para nos garantir sonhos de rainhas e divas.

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