O rock faz-se à boleia de um Barracuda que estacionou numa gare do Porto

Um clube de rock com música ao vivo para fãs do género, que não fecha a porta a outros estilos musicais do underground. É assim que o proprietário deste novo espaço descreve mais um projecto que nasce após o encerramento do Cave 45, que também ajudou a fundar.

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Paulo Pimenta

Num pequeno “enclave” a meio do caminho entre duas das zonas mais povoadas da noite do Porto há um novo refúgio para o rock. É numa espécie de vale urbano, a marcar a fronteira entre os Clérigos e a Praça dos Poveiros, que procuramos o Barracuda, que no último fim-de-semana de Março tinha marcado três dias de festa para assinalar a inauguração. 

Descemos a Rua de Passos Manuel, seguidos por muitos que saem dos Poveiros, onde grande parte dos que calcam a nossa pegada estiveram a jantar para depois continuarem noite dentro nos quarteirões que circundam a torre projectada por Nasoni.

Viramos à esquerda pela Sá da Bandeira. Não são muitos os que continuam connosco. Grande parte vai em frente pelo Rivoli para usar os Aliados como passagem para o lado da cidade onde os bares começam a encher-se.

Passamos A Brasileira, que após cinco anos fechada voltou a abrir portas no final do mês de Março, e um pouco mais abaixo já avistamos a Estação de São Bento. Se durante a tarde pouco espaço sobrava nos passeios que vêm da Praça da Liberdade e descem frente à estação a caminho da Rua das Flores e da Mouzinho da Silveira, àquela hora, já depois da meia-noite, invadem a área um pouco mais para lá dos lancis apenas um ou outro carro mal estacionado.

Estamos perto do nosso destino. É uma das ruas que ladeiam a gare de comboios que procuramos. É na do lado esquerdo, da perspectiva de quem olha de frente para a estação, onde está mais gente. Não é que ali haja um bar porta sim, porta não. Na verdade, apenas passamos por um café que se mantém aberto. É um pouco mais à frente que encontramos Rodas, como é conhecido e gosta que o tratem. É o proprietário do novo clube de rock da cidade. Estamos à porta do Barracuda – Clube de Roque, no 186 da Rua da Madeira.

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Paulo Pimenta

Passamos para lá da entrada e somos recebidos ao som de The White Riot, dos The Clash. Se já não tínhamos dúvidas que estávamos no sítio certo, a existirem teriam sido desfeitas naquele momento. Àquela hora, a casa estava bem composta. Na mesma noite, tocaram no Coliseu os Machine Head e no Hard Club os Fields of the Nephilim, duas bandas de diferentes correntes do rock, a primeira mais metal e a segunda de raiz mais gótica.

A meio do caminho entre as duas salas, no Barracuda, ao longo da noite, encontramos quem tivesse seguido para lá após terem terminado os dois concertos. E é essa a função deste clube: receber os diferentes públicos dos vários subgéneros do rock. Naquela noite, a setlist privilegiava sobretudo os adeptos do rock mais directo, do garage e do punk setentista. 

No espaço, onde cabem aproximadamente 80 pessoas, são muitos os que se encostam ao bar, logo à entrada. Frente ao balcão, na parede, estão duas partes de duas frentes de dois automóveis. Nenhuma delas é de um Barracuda, o clássico da Plymouth. Diz o proprietário que aquelas duas peças que lhe foram oferecidas, na falta das originais, servem para remeter para o carro que dá nome ao bar. São parte da decoração kitsch de um clube que não dispensa uma bola de espelhos suspensa no tecto.

Não é fácil furar até ao mainfloor, transformado naquela noite em pista de dança. Nas duas noites anteriores, serviu de pit para os concertos agendados, que tiveram lotação esgotada. No último dia da agenda preparada para a inauguração, na regie, virada para o palco que não terá mais do que 3x3 metros, vão entrando e saindo cinco “alternadores de discos”, designação que o proprietário prefere usar em detrimento da abreviatura DJ. Dois desses “alternadores” são também proprietários de duas lojas de discos na cidade, a Louie Louie e a Porto Calling.

Será a música, para Rodas, o ponto fulcral deste espaço. No seguimento de um trabalho de mais de vinte anos, desde a segunda metade dos anos 1990, quando abriu o Comix Bar, em Cedofeita, e após ter passado por vários bares como o Porto Rio, o Armazém do Chá ou o Cave 45, que encerrou no final do ano passado e do qual também era proprietário, nasce este clube de rock que, à imagem do primeiro que abriu, também estará de porta aberta a outros géneros que de uma forma ou de outra entenda encaixarem no mesmo espírito underground do rock’n’roll, como é o caso do Hip Hop. De resto, já o fazia no primeiro bar.

À imagem do que acontecia no Cave 45, será um espaço de música ao vivo. O PA é o mesmo que estava no bar da Rua das Oliveiras. Ainda antes do encerramento deste último espaço, após a decisão, já tinha em mente arrancar com outro projecto, mas longe das zonas de maior afluência turística. Na altura, terão surgido rumores de que o Cave iria encerrar porque iria nascer no mesmo prédio um hostel. Não foi por isso que encerrou, embora o contrato de arrendamento terminasse em 2019, com aviso por parte do senhorio de que não seria renovado, pois teria confirmado que a afluência turística naquela zona seria mais lucrativa para o imóvel.

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Paulo Pimenta

Porém, os motivos tiveram mais a ver com algum cansaço por parte dos sócios, que numa fase inicial não conseguiram garantir o público desejado fora dos dias de concertos, algo que se inverteu após o anúncio do fecho, quando a partir daí a casa passou a encher todas as noites.

E foi com casa cheia, numa zona de grande afluência turística durante o dia, mas ainda deserta à noite, que as três noites de inauguração do Barracuda se fizeram. Não será aquela rua, “ainda”, uma zona de bares. Além da discoteca Gare, mais ao lado, não haverá ali muitos mais espaços nocturnos.

Seria a multidão de gente que recebeu naquele fim-de-semana o ideal para todas as noites, no bar que abre às 22h e continua “noite adentro”. Rodas afirma saber que nem sempre será igual. Mas tem uma solução: “Todos os meses farei uma inauguração”, ironiza.

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