Quando Messi marca um golo, a cidade de Barcelona treme. Literalmente

Um estudo de uma equipa de investigadores espanhóis detectou actividade sísmica durante jogos do FC Barcelona em casa, no estádio Camp Nou, e durante um concerto de Bruce "Boss" Springsteen e a sua E Street Band.

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Quando Barcelona marca um golo e a plateia celebra activamente, o sismógrafo, instalado a cerca de 500 metros do estádio Camp Nou, capta as vibrações da actividade humana, neste caso, dos adeptos a festejarem o golo – aquilo a que os autores do estudo chamam de "footquakes" SUSANA VERA/reuters
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Liga dos Campeões 2016-2017: Barcelona bateu o PSG por 6-1 Albert Gea/reuters
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Messi no desafio Barcelona-Leganés Albert Gea/reuters

Uma investigação científica, apresentada nesta terça-feira na Assembleia Geral da União Europeia de Geociências (UEG) em Viena, Áustria, demonstrou que de cada vez que o FC Barcelona marca um golo importante, a capital da Catalunha treme. Especialistas em sismologia – área de estudo da actividade sísmica – do Instituto de Ciências da Terra Jaume  Almera, em Barcelona, instalaram em 2015 um sismógrafo com um sensor de banda larga no edifício do centro de investigação, localizado perto do estádio de Camp Nou, que registou sinais sísmicos durante jogos do FC Barcelona em casa. 

No princípio, o aparelho foi instalado no Instituto para "fins informativos" e educacionais, explica Jordi Díaz, um dos autores do estudo sobre sismologia urbana, contactado por e-mail pelo PÚBLICO. Servia para mostrar aos visitantes do centro de investigação os instrumentos à disposição para estudar as vibrações terrestres. No entanto, assim que os investigadores perceberam que tinham obtido "dados interessantes" para a comunidade científica começaram a estudar os registos de actividade sísmica de forma mais detalhada.

Uma vez que o sismógrafo se encontra instalado a cerca de 500 metros do estádio Camp Nou, sempre que Lionel Messi ou outro jogador do FC Barcelona marca um golo e a plateia celebra activamente, o aparelho capta as vibrações da actividade humana, neste caso, dos adeptos a festejarem o golo – aquilo a que os autores do estudo chamam de "footquakes".

Questionado pelo PÚBLICO sobre o golo em que se registou uma maior actividade sísmica durante o período analisado, Jordi Díaz afirma que o último golo do jogo entre o FC Barcelona e o Paris Saint-Germain, na Liga dos Campões da temporada passada, talvez tenha sido o mais marcante. "Todos os sinais derivados das comemorações de golos têm o mesmo intervalo de frequências, entre 2 e 10 HZ, e o que varia é a amplitude do sinal", explica Díaz. Apesar disso e de não terem um registo completo, o investigador afirma que "certamente as maiores amplitudes foram registadas quando o sexto golo foi marcado na eliminatória do FCB-PSG do ano passado, no último minuto", conclui. Depois de perder o jogo da primeira mão por 4-0, o Barcelona conseguiu inverter o resultado e goleou o PSG por 6-1 no jogo da segunda mão dos oitavos de final da competição, tendo marcado o último golo aos 95 minutos de jogo. A recuperação por parte da equipa catalã levou os adeptos ao rubro e a cidade tremeu literalmente.

Contudo, o especialista em sismologia confessa que "é difícil falar em termos de magnitude, já que o aspecto do sinal é muito diferente do que o de um terramoto". As amplitudes registadas são bastante reduzidas, da ordem de 0,001 mm, pelo que se torna difícil comparar a um valor na escala de Richter. "Por exemplo, no dia seguinte ao golo, registamos um terramoto de magnitude 4,1 com um epicentro a cerca de 350 km de distância que provocou um registo de maior amplitude", explica Jordi Díaz ao PÚBLICO.

Em relação ao campo de pesquisa, tal como o nome indica, a sismologia urbana estuda a actividade sísmica numa cidade, cuja origem deriva da acção humana, e tem diversas aplicações. "[A sismologia urbana] Tem-se tornado um campo de pesquisa activo nos últimos anos, tanto com objectivos sismológicos, como para obter melhores mapas de microzoneamento em áreas densamente povoadas, e com objectivos de engenharia, como a monitorização de trânsito ou a inspecção de edifícios históricos", lê-se no artigo científico publicado pelos autores na revista Scientific Reports. Esta investigação abarca, por isso, a análise das propriedades sísmicas de outras actividades culturais como, por exemplo, concertos de música ou celebrações com fogo-de-artifício.

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Concerto de Bruce Springsteen, Camp Nou, 2016: as amplitudes sísmicas aumentam exponencialmente durante os "encores" e durante a canção "Shout", como mostra o estudo de Jordi Díaz xavi torrent/ Getty Images

Bruce Springsteen também faz tremer o estádio

O estudo analisou ainda o concerto que Bruce Springsteen deu, em 2016, para 65 mil pessoas no estádio Camp Nou. A investigação permitiu distinguir a passagem das músicas através dos dados sísmicos, tendo em conta que "cada música tem um padrão específico", explicou Jordi Díaz à BBC. De acordo com a publicação na Scientific Reports, as amplitudes sísmicas aumentam exponencialmente durante os encores e durante a canção Shout.

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Registos sísmicos durante os encores no concerto de Bruce Springsteen em 2016, no estádio do Barcelona Scientific Reports

O sinal sísmico da multidão regista, por sua vez, diferentes padrões dependendo da actividade em questão, pelo que, comparativamente a um jogo de futebol, "nas comemorações dos golos, a energia é distribuída através de um intervalo entre 1 e 10 Hertz, enquanto no concerto de rock temos o que chamamos de estruturas harmónicas, em que a energia é localizada em amplitudes precisas", explica Díaz. Isto acontece porque as pessoas durante a celebração de um jogo saltam para cima e para baixo, enquanto num concerto dançam num movimento sincronizado ao ritmo da música, explica o investigador citado pela BBC. "Digamos que as celebrações de um golo importante (mesmo que não seja do Messi) duram alguns segundos, enquanto durante o concerto de Bruce [Springsteen] é registado o tempo todo que as pessoas passam a dançar", clarifica ao PÚBLICO o especialista em sismologia.

Tanto no concerto de Springsteen como nas celebrações dos golos do FC Barcelona, a origem dos sinais sísmicos é a movimentação das pessoas, que gera vibrações no solo e nas estruturas do estádio que depois se propagam como ondas sísmicas.

O trânsito em Barcelona 

Os investigadores analisam também os padrões sísmicos do trânsito rodoviário e dos serviços de metro e comboios. Visto que o Instituto de Ciências da Terra Jaume Almera está junto à Avenida Diagonal (uma das maiores e principais vias de Barcelona), tornou-se possível monitorizar o fluxo diário dos veículos e até mesmo detectar o constante "pára-arranca" por causa dos semáforos, de acordo com a BBC.

Segundo a publicação na Scientific Reports, é possível verificar uma variação na frequência do sinal sísmico durante o horário laboral, registando-se pouca frequência durante a noite. Entre as 6h e as 09h30 a actividade sísmica é mais elevada, o que significa que existe uma maior movimentação de veículos durante as horas de ponta. Durante o fim-de-semana, verifica-se uma grande amplitude do sinal durante a noite, o que demonstra uma grande actividade nocturna na cidade.

Estudos de sismologia urbana tinham já sido elaborados noutras grandes cidades como Londres ou Bucareste, sendo que uma das conclusões destes estudos dá conta que uma grande parte do espectro sísmico é dominado por sinais gerados pela actividade humana e não por causas naturais, de acordo com a investigação de Jordi Díaz e colegas.

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Tráfego na Praça de Espanha. Os investigadores analisam também os padrões sísmicos do trânsito rodoviário e dos serviços de metro e comboios Albert Gea/reuters

A contribuição da sismologia urbana no futuro

Quanto à aplicação prática do estudo, Jordi Díaz afirma que actualmente estão a explorar os aspectos científicos e a relação que poderá ter com a engenharia para descobrir como "as estruturas e prédios vibram devido a diferentes movimentos de pessoas", cita a estação televisiva BBC. Os autores do estudo têm ainda como objectivo dar visibilidade a esta área das ciências, pelo que "além do interesse em entender a propagação das ondas sísmicas geradas por essas fontes específicas, esses registos da agitação terrestres fornecem uma ferramenta poderosa para (…) apresentar as ciências da Terra a um público mais amplo", lê-se no artigo científico.

O estudo da actividade sísmica causada pela movimentação das pessoas permite "caracterizar a estrutura do subsolo e, dessa forma, melhorar a microzonalização sísmica e a gestão de risco sísmico em áreas povoadas", lê-se também no artigo. Por isso, Jordi Díaz explica ao PÚBLICO que "a ideia é que as pessoas saibam que não se detectam apenas vibrações quando oito mil pessoas saltam a 500 metros do sensor, mas também quando ocorre um grande terramoto no Japão, na Nova Zelândia ou no Chile", pelo que estes estudos poderão vir a ser relevantes na monitorização das vibrações terrestres no futuro. 

Texto editado por Maria Paula Barreiros

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