Julgamento de ex-vice-cônsul está há mais de dois anos para arrancar

Próximo 27 de Setembro é a terceira data prevista para início do julgamento. Dois tribunais declararam-se incompetentes para julgar o caso.

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Adelino Pinto é acusado de se ter apropriado de quase um milhão de euros da arquidiocese de Porto Alegre DR

O julgamento esteve marcado para Janeiro de 2016. Mas foi adiado pelo facto de a defesa do ex-vice-cônsul alegar que Portugal não podia julgar Adelino Pinto pela burla de perto de um milhão de euros à Arquidiocese de Porto Alegre, já que havia um processo pelos mesmos factos a correr no Brasil. Mais tarde, o início do julgamento foi remarcado para Março de 2017. Mas acabou novamente adiado, desta vez por o Ministério Público ter considerado o tribunal de Lisboa incompetente para julgar o caso. O processo transitou para Loures, mas este tribunal também se declarou incompetente.

O desempate foi decidido pela Relação de Lisboa que, em Novembro do ano passado, mandou o caso regressar a Lisboa. O início do julgamento está agora marcado para o próximo 27 de Setembro, dois anos e nove meses depois da primeira data. "Após decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que atribuiu a competência territorial ao Juízo Central Criminal de Lisboa, vieram a ser marcadas várias sessões de julgamento para Setembro de 2018, sendo que tal dilação se justificou pelo motivo de terem sido expedidas cartas rogatórias para o Brasil", explicou a presidente da comarca de Lisboa, Amélia Almeida. A carta estará relacionada com a audição, por videoconferência, de várias testemunhas no Brasil.

Em causa neste caso está a alegada apropriação por parte do então vice-cônsul de Portugal em Porto Alegre, Adelino Pinto, de quase um milhão de euros da arquidiocese daquela cidade do estado de Rio Grande do Sul, dinheiro que lhe foi entregue, entre Dezembro 2010 e Janeiro de 2011, como caução de um alegado donativo de quase quatro milhões de euros que seria atribuído por uma suposta organização não-governamental (ONG) belga que teria relações com o Governo português e iria patrocinar a recuperação de duas igrejas de origem portuguesa naquela região brasileira. O então vice-cônsul, que foi despedido com justa causa pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros em Outubro de 2011, convenceu os padres da arquidiocese a entregarem-lhe 962.649 euros. O dinheiro, segundo a acusação, acabou nas contas de Adelino Pinto e as igrejas não chegaram a ser recuperadas.

As autoridades brasileiras foram as primeiras a acusar de burla Adelino Pinto, em Setembro de 2011, mas como o suspeito não podia ser extraditado para o Brasil, este país acabou por, em Março de 2016, desistir de julgá-lo, remetendo o processo para Portugal. Foi só nessa altura que as autoridades brasileiras revogaram a prisão preventiva decretada em Setembro de 2011 e cancelaram o mandado de captura internacional, emitido através da Interpol.

Já o Ministério Público português tinha acusado Adelino Pinto de dois crimes de falsificação, um de burla qualificada e um de branqueamento de capitais. Cá também se imputaram responsabilidade à companheira de longa data de Adelino Pinto, Maria da Anunciação Figueiredo, acusada de branqueamento de capitais por alegadamente ter ajudado a esconder o dinheiro da burla, cuja proveniência conheceria.

Prescrição ainda longe

Com os atrasos no início do julgamento já passaram quase sete anos e meio desde os alegados factos criminosos. Mesmo assim, o advogado do ex-vice-cônsul, João Nabais, garante que não há perigo de prescrição. “Penso que a prescrição neste caso nunca será inferior a 12 ou 13 anos. E este prazo já esteve suspenso. Portanto, estamos longe disso”, justifica o defensor, que sublinha que não teve responsabilidade no atraso que o processo teve por causa da discussão do tribunal competente.

De facto, a 24 de Fevereiro de 2017, a menos de uma semana do início do julgamento, foi a procuradora Patrícia Agostinho que suscitou a questão da incompetência do tribunal de Lisboa. Argumentava que como os crimes tinham sido cometido no Brasil o tribunal competente era o da residência do suspeito, neste caso o de Loures. No mesmo dia a juíza Fátima Ferreira considera não existem condições para iniciar o julgamento a 1 de Março, não designando nova data.

Menos de duas semanas depois, a arquidiocese discorda do Ministério Público e defende que o tribunal de Lisboa é competente. O advogado João Costa Andrade sustenta que como os crimes não foram totalmente cometidos no Brasil logo o critério a aplicar é outro. Considera que o branqueamento de capitais se consumou em Lisboa e, por isso, é esta a comarca competente.

A defesa dos arguidos não se pronuncia e a 20 de Março a juíza determina que o tribunal de Lisboa é incompetente para julgar o caso. A magistrada defende que também o branqueamento ocorreu no Brasil já que a origem de outras transferências que o arguido terá feito para ocultar a proveniência do dinheiro terão partido de uma conta de Adelino no Brasil. Por isso, o tribunal competente seria o de Loures.

Quase quatro meses mais tarde é a vez do Juízo Central Criminal de Loures considerar o contrário. Sustenta que só "parte" dos crimes ocorreram no Brasil e que, por isso, o tribunal competente é o da área "onde tiver sido praticado o último acto relevante". Neste caso, defende a juíza, o crime mais grave é o branqueamento de capitais e o mesmo consumou-se através de transferências bancárias efectuadas no BBVA, num balcão em Lisboa.

Como dois tribunais se consideram incompetentes para julgar o caso, a Relação de Lisboa foi chamada a resolver o conflito. Um juiz desembargador considerou relativamente ao crime de branqueamento de capitais que "o início de tal esquema se iniciou com a transferência de valores da sua conta [de Adelino Pinto] no Banco do Brasil para o BBVA de Lisboa a que se seguiram várias transferências desta para outras contas sediadas em Portugal, além de outras variadíssimas operações financeiras e bancárias". Neste caso, escreve, o último acto relevante é uma transferência que Adelino Pinto fez da sua conta do BBVA em Lisboa para uma conta da arguida, cuja localização não consta na acusação. Por isso, o último acto relevante localizável é o da transferência do BBVA de Lisboa, como tal é o tribunal de Lisboa o competente.  

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