O caminho de Centeno

Perante as declarações do ministro das Finanças, o líder do PSD deveria manifestar de imediato a disponibilidade para viabilizar a próxima proposta do Orçamento de Estado.

Mário Centeno publicou neste jornal, na passada segunda-feira, um artigo politicamente relevante, quer pelo que evidencia de uma linha de orientação programática, quer pelo que revela de um carácter político. Há muito pouco tempo, Centeno era um ignoto alto quadro do Banco de Portugal, hoje é uma personalidade determinante na vida política portuguesa e uma voz ouvida no plano europeu. Para que este percurso fosse possível contribuíram duas coisas: uma conjuntura económica internacional altamente favorável, os méritos pessoais do ministro das Finanças e as opções políticas fundamentais feitas pelo primeiro-ministro, António Costa. Quando, há quase três anos, o secretário-geral do PS optou por uma solução de entendimento parlamentar com os partidos da extrema-esquerda, foram várias as vozes, entre as quais a minha, que manifestaram fundamentadas reservas acerca da via governativa que se vislumbrava. Temia-se então que a relação de dependência política estabelecida com o Bloco de Esquerda e com o Partido Comunista inviabilizasse uma linha de actuação fiel às obrigações contraídas no contexto europeu e como tal atenta aos objectivos superiores de redução do défice orçamental e da dívida pública. É certo que no período pré-eleitoral o programa de governo apresentado pelo PS tinha surpreendido positivamente, em grande parte devido ao contributo dado por Mário Centeno. Ele aparecia nessa altura como a demonstração de que uma aparente inflexão esquerdizante do PS não passava de um acto de mera retórica política. O “documento Centeno” surgiu publicamente como um garante de que era possível a prossecução de um programa claramente inspirado nos valores da esquerda democrática sem pôr em causa o compromisso europeu e a credibilidade do país no domínio do cumprimento de algumas regras fundamentais no âmbito da sanidade das finanças públicas.

Ao longo dos últimos anos, Mário Centeno foi adquirindo um peso cada vez maior na vida política portuguesa. Conhecendo como conhecemos o primeiro-ministro, António Costa, teremos de reconhecer que esse peso só pode ter sido alcançado devido à vontade do homem que governa o país. António Costa percebeu que o contraponto natural ao entendimento com a extrema-esquerda parlamentar consistia num exemplar comportamento no que concerne à gestão das finanças públicas. Por isso mesmo atribuiu a Centeno total liberdade para a consecução de uma orientação que noutras circunstâncias poderia ser entendida como uma lamentável cedência às pressões oriundas de alguns centros de decisão europeus. Há hoje quem pense que Mário Centeno é uma criatura que se libertou do seu próprio criador e como tal se permite elaborar considerações contrárias ao próprio interesse do governo em que está inserido. Esta tese contém um erro elementar: negligencia as qualidades políticas do primeiro-ministro.

Quando Mário Centeno escreveu o que escreveu na passada segunda-feira limitou-se a publicitar uma opção política orçamental que merece a concordância do primeiro-ministro. Ora, isso constitui uma boa notícia para o nosso país. António Costa não ignora as limitações decorrentes da existência de uma dívida pública anormalmente elevada e de uma tradição de ausência de rigor orçamental. Como tal, isto significa que o primeiro-ministro compreendeu que existia um problema de credibilidade externa em matéria de rigor no domínio das finanças públicas. Centeno, com particular coragem, relembra-o no artigo desta semana, chegando ao ponto de se não eximir a estabelecer comparações com outros períodos em que o PS desempenhou funções governativas no nosso país. O que poderia ser percebido como um desplante acaba por remeter para a afirmação de uma curiosa singularidade política. Este governo, apoiado no plano parlamentar pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP, revela-se afinal o mais europeísta dos executivos que o país conheceu nas últimas décadas. De certa forma, poderemos mesmo afirmar que o presente governo constitui, para utilizar a velha gramática do cavaquismo, o melhor aluno que a Europa descortinou até hoje.

Há momentos em que é necessário fazer opções. Nas presentes circunstâncias, apesar do muito respeito que sinto por uma personalidade como Paulo Trigo Pereira, considero que assiste inteira razão ao ministro das Finanças. Do meu ponto de vista, Centeno aponta, sem sombra de dúvidas, para o melhor caminho para Portugal. Se porventura essa opção tiver como consequência a diluição dos entendimentos à esquerda, creio que Rui Rio tem a obrigação de assumir, de acordo com o discurso que tem vindo a apresentar, um papel determinante na preservação da estabilidade política nacional.

Rui Rio optou claramente por se demarcar da anterior liderança social-democrata, exibindo uma grande disponibilidade para entendimentos com o Partido Socialista. É chegada a hora de aferir o carácter genuíno dessa declarada vontade. Perante as declarações do ministro das Finanças, que não podem senão explicitar as opções do próprio primeiro-ministro, o líder do PSD deveria manifestar de imediato a disponibilidade para viabilizar a próxima proposta do Orçamento de Estado. Isso reforçaria a imagem política de Rui Rio, permitiria demonstrar que o país é governável para além da “geringonça” e reforçaria a imagem de Portugal no contexto europeu. Alegar-se-á que o líder do PSD não tem condições para a impor ao seu próprio partido. Ora, essa é precisamente a diferença que separa um líder a sério de um ocasional dirigente partidário. Como tal poderemos afirmar que Rui Rio está confrontado com um momento decisivo da sua liderança partidária. Veremos como reage perante um desafio de tal magnitude.

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