Países à procura de provas do ataque químico antes de retaliar — inspectores a caminho

França diz que houve ataque mas só agirá após verificação; EUA acreditam que foram usados químicos mas admitem que só têm indícios. Suécia faz proposta para acabar com impasse no Conselho de Segurança.

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Mais de 3000 pessoas escolheram deixar Douma, que já é esta quinta-feira totalmente controlada pelo regime AREF TAMMAWI/EPA

Como provar um ataque químico? Há relatos e vídeos de socorristas, e nesta quinta-feira, foi anunciado que, quando passar exactamente uma semana sobre o ataque — sábado — peritos vão finalmente começar a sua investigação no local.

De França, o Presidente Emmanuel Macron disse que havia provas de que, na semana passada, o regime de Bashar al-Assad levou a cabo um ataque com armas químicas, usando “pelo menos cloro” — mas acrescentou, cautelosamente, que a França só retaliaria depois de feitas “todas as verificações”. “É preciso tirar ao regime os meios de preparação [das armas]”, disse.

Nos EUA, o secretário da Defesa, Jim Mattis, afirmou “acreditar” que houve um ataque químico e que há todas as indicações disso em gravações, mas que os EUA “ainda procuram provas”. Pouco depois, a estação de televisão NBC citava peritos dizendo que encontraram vestígios de cloro e um gás de nervos no sangue e urina das vítimas do ataque.

A Rússia veio novamente, numa conferência de imprensa da porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros Maria Zakharova, negar que tenha havido um ataque deste género, dizendo que as tropas russas entraram em Douma e não encontraram quaisquer provas.

Mattis acrescentou que a equipa da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) não estava sequer no terreno (já houve vezes em que, por razões de segurança, as equipas conduziram investigações fora da Síria). Mas entretanto a OPAQ, organização com sede na Holanda, anunciou que começará o seu trabalho no local neste sábado.

No diário britânico The Guardian, o jornalista especialista na região Martin Chulov conta como nos cinco dias que passaram sobre o ataque, técnicos viram imagens vindas do local, gravações rádio, rotas de voo, para tentar perceber o que aconteceu. Na Jordânia, laboratórios aguardavam amostras biológicas essenciais para determinar o tipo de agente usado, quando se suspeita de uma mistura de dois, cloro e sarin.

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“Sangue e urina mostram vestígios [de cloro] até uma semana, talvez mais”, disse ao Guardian um responsável sob anonimato. Mas outro tipo de agentes, como o sarin, “degradam-se rapidamente — se é suposto haver uma missão ao terreno, ela tem de chegar lá imediatamente”.

Especialistas dos serviços de informação dos EUA, França e Londres estudaram as imagens e descrições, e compararam com imagens de ataques em que foi usado sarin. As semelhanças, incluindo a contracção das pupilas e espuma na boca, eram suficientes para que sugerissem que houve dois químicos usados em simultâneo, cloro e sarin, provavelmente com a ideia de um mascarar o outro, e de ter mais eficácia nas caves em que as pessoas se protegiam dos bombardeamentos frequentes.

Nos últimos meses a região de Ghouta Oriental, perto de Damasco, foi atacada pelas forças pró-regime, morrendo mais de 1600 pessoas. Mas o ataque de sábado foi decisivo, levando à rendição do grupo rebelde e permitindo ao regime controlar a zona após mais de cinco anos.

A Organização Mundial de Saúde falava em 500 pessoas potencialmente afectadas com sintomas “consistentes com a exposição a químicos tóxicos” e pediu ao regime de Assad que desse acesso aos inspectores.

Respostas vão demorar

O diário Financial Times sublinha que mesmo que as equipas cheguem a tempo, poderá levar semanas ou mais até que haja conclusões. No ano passado, após o ataque de Khan Sheikhoun, que levou a uma acção de retaliação americana simbólica (um ataque a uma base que voltou rapidamente a estar operacional), a organização demorou três meses até confirmar o uso de sarin. Na altura, os inspectores não tiveram acesso ao local e os resultados foram baseados em amostras de cadáveres, entrevistas com testemunhas e amostras do local vindas de outras fontes.

O jornal financeiro relata ainda a dificuldade de contactar pessoas em Douma, e alguns activistas sírios acusaram o regime de cortar as linhas de comunicação.

Proposta sueca

Mas mesmo que tenham acesso rapidamente, a missão destes inspectores é apenas dizer que químicos foram usados, e não atribuir responsabilidade.

Para isso seria necessário uma missão conjunta. Mas a proposta para uma missão deste género ir ao terreno foi vetada numa reunião do Conselho de Segurança da ONU pela Rússia — foi o 12.º veto de Moscovo a propostas de resoluções sobre a Síria. Na mesma sessão, a Rússia apresentou a sua própria resolução, que previa o envio de inspectores mas que o objectivo fosse apontar culpados. A proposta foi chumbada.

Mattis sublinhou este bloqueio da Rússia: “Podemos ficar sentados ou fazer qualquer coisa”, disse, acrescentando que em muitos casos de uso suspeito de armas químicas “não há provas, ainda que haja indicadores”.

A Suécia fez na quinta-feira uma proposta para sair do impasse, incluindo o envio de uma missão de desarmamento para a Síria para acabar “de vez” com as armas químicas e criar um organismo de investigação “novo, imparcial, independente e profissional” para determinar a responsabilidade do seu uso. 

De Douma, conta o New York Times, a principal preocupação dos habitantes foi decidir, após a rendição dos rebeldes, se deveriam continuar numa cidade agora controlada pelo regime ou aceitar ser deslocados para uma outra zona da Síria que a maioria nunca visitou, mas que é controlada pela oposição.

Mais de 3000 pessoas, entre combatentes e civis, fizeram a escolha de sair por temer as consequências. A saída, em 85 autocarros, completou-se ontem, dia em que o Exército russo anunciou que o regime já controla totalmente a cidade.

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