Mutualista retira arte do negócio com chineses por cinco milhões

A dona do Montepio comprou por cinco milhões de euros a colecção de moedas e obras de arte que estava no património da seguradora Lusitânia. Entretanto, gestor crítico ficou sem pelouros.

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Miguel Manso

No final de 2017, a Associação Mutualista Montepio Geral adquiriu à seguradora Lusitânia activos de valor patrimonial histórico e artístico de 5,276 milhões de euros, excluindo-os, assim, do acordo de venda da maioria do capital do Montepio Seguros (que inclui a Lusitânia Vida, Lusitânia não Vida) à China Energy Company-CEFC, negócio que aguarda pela aprovação da Autoridade dos Seguros e Fundos de Pensões. A operação está em dúvida depois de o comprador ter surgido envolvido em múltiplos casos de corrupção na China.

A decisão de transferir para a esfera da associação a “colecção de moedas de ouro e outro património artístico, nomeadamente, a colecção de obras de arte”, foi uma das garantias dadas por Tomás Correia aos 22 conselheiros presentes na reunião do conselho geral do Montepio de 19 de Setembro de 2017.

A afirmação surgiu depois de ser interpelado pela economista Manuela Silva sobre a “eventual alienação da Lusitânia”, o que o levou a pedir a palavra para explicar que lhe chegara uma proposta da CEFC, “encaminhada via gabinete do primeiro-ministro, para encetar conversações”, nas áreas seguradora e da banca, conforme noticiado pelo PÚBLICO na sexta-feira passada, 6 de Abril.

Nesse mesmo dia, o assessor de António Costa reafirmou que o gabinete do primeiro-ministro não promoveu os mencionados contactos entre a CEFC e o Montepio.

O PÚBLICO apurou também, junto de fontes da área política, que Tomás Correia, por carta enviada a António Costa, por correio electrónico, entre as 14h e as 14h30 de sexta-feira, também negou ter feito as declarações que constam da acta do conselho geral.

E isto, apesar de os depoimentos resultarem da transcrição da gravação da reunião e de a acta ter sido assinada por todos os conselheiros, nomeadamente, pelo próprio Tomás Correia (conforme se pode constatar na acta entretanto divulgada pelo PÚBLICO na sua edição de 10 de Abril). 

Dois meses após a reunião do conselho geral, Tomás Correia viajou, a 27 de Novembro do ano passado, para Xangai para assinar a venda à CEFC de 60% da Montepio Seguros. Nesse intervalo, foram transferidos para a associação os activos da Lusitânia, com “valor patrimonial histórico e artístico”, pelo valor de 5,276 milhões de euros.

Esse montante é inferior aos 6,948 milhões de euros atribuídos às colecções de arte e de moedas, nas contas da Lusitânia de 2015, o que pode ter resultado de uma reavaliação encomendada a um consultor externo.

O que tem a colecção?

Em 2015, a Lusitânia contabilizava no balanço a colectânea de numismática por 5,929 milhões de euros, da qual constam moedas de ouro que abrangem um largo período de tempo, desde a ocupação visigótica aos tempos modernos.

Já o acervo de obras de arte, mobiliário, pintura e escultura de vários géneros estava registado por 1,018 milhão de euros e inclui trabalhos de Júlio Pomar e de Almada, mas também esculturas de Augusto Cid (um cavalo) e de Salvador Dali (uma mulher) expostas nos jardins da sede.

A decisão de preservar os acervos históricos e artísticos contrasta com a solução seguida na venda do Novo Banco à Lone Star, em que os contribuintes nacionais arriscam-se a perder dinheiro (a resolução do BES e a alienação ao Lone Star podem envolver perdas até 11 mil milhões). Neste negócio, as autoridades (Governo e Banco de Portugal) deixaram para o fundo do Texas o património artístico (pintura, escultura, fotografia, mobiliário) e a colecção de 13 mil moedas que representam a história do país, herdados do BES.

A iniciativa de manter no Montepio os activos com valor patrimonial histórico e artístico destinou-se a protegê-los da venda da Lusitânia à CEFC e do processo de reestruturação em curso na seguradora, deficitária.

Mudança inesperada de pelouros

Com o banco Caixa Económica Montepio Geral estabilizado, após a nomeação do novo presidente, Carlos Tavares, que está à espera de Leiria Pinto e que o BdP despache o processo do director Pedro Alves, para avançar com a distribuição de pelouros, chegaram ao domínio público as divisões existentes no topo da associação. 

Tomás Correia procedeu a uma inesperada redistribuição de pelouros entre executivos da associação e que esvazia as funções de Fernando Ribeiro Mendes, membro da sua equipa, composta ainda por Carlos Beato, Virgílio Lima e Miguel Coelho. A proposta partiu do presidente e foi aprovada por Carlos Beato e Virgílio Lima com o voto contra de Miguel Coelho e a abstenção de Ribeiro Mendes.

Através dos canais digitais internos, a 4 de Abril, Tomás Correia emitiu uma ordem de serviços a clarificar os trabalhadores sobre as competências de cada gestor executivo.

Por comparação com a última nota de atribuição de responsabilidades, percebe-se que os quatro pelouros até aqui entregues a Ribeiro Mendes foram desviados para o próprio presidente (secretariado geral), para Carlos Beato (central de compras e unidade de serviços partilhados) e para Virgílio Lima (área de saúde e respectivos projectos). E não só Ribeiro Mendes fica sem pelouros principais, como também não lhe foram atribuídas funções de administrador substituto.

Tudo isto se passou 12 dias depois de, a 24 de Março, Ribeiro Mendes ter escrito um texto de opinião no PÚBLICO a defender “um virar de página” no grupo “inadiável”, com a entrada de novos protagonistas, e desafiando todos os associados “a discutir abertamente o que [os associados querem] ser no futuro, sem sectarismo nem preconceitos”.

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