Formado em Física, explicador e “rookie” da NBA aos 32 anos

Depois de mais de uma década à espera que alguém reparasse nele, Andre Ingram fez os dois últimos jogos da época com os Lakers e tornou-se no novato norte-americano mais velho de sempre da Liga.

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Ingram, o novato-veterano de 32 anos Reuters/Gary A. Vasquez

Em 2003, LeBron James era considerado o basquetebolista liceal mais promissor dos EUA, um recruta “cinco estrelas”, e toda a carreira de “King” James em 15 anos de Liga Norte-Americana de Basquetebol profissional foi uma promessa mais que cumprida. Nessa lista de 2003, Andre Ingram estava bem fora do radar, considerado o 639.º melhor jogador de liceu do país, visto como um bom atirador, mas pouco atlético e sem grande capacidade defensiva. LeBron saltou directamente do liceu para a NBA, enquanto Ingram foi do liceu para a universidade, formou-se em Física e andou mais de dez anos a jogar numa Liga secundária à espera que alguém reparasse nele. Alguém reparou. Este explicador de matemática em part-time, de 32 anos, tornou-se nesta semana o “rookie” norte-americano mais velho da história da NBA e não esteve lá só para fazer número.

Ingram nunca desistiu do seu sonho no basquetebol e isso valeu-lhe um contrato de dez dias com os Los Angeles Lakers para vestir a camisola 20 dos californianos nos dois últimos jogos da época regular. E o que mostrou no Staples Center frente aos Houston Rockets, a melhor equipa do momento, que tem “estrelas” como James Harden ou Chris Paul, mais do que valeu a aposta num desconhecido. Ingram marcou 19 pontos nesse jogo, incluindo quatro triplos convertidos em cinco tentados. No último encontro da época, frente aos LA Clippers, o “rookie” de 32 anos foi menos eficaz, marcando apenas cinco pontos, mas conseguiu seis assistências e três ressaltos e contribuiu para que os Lakers fechassem mais uma época fora dos “play-off” com uma vitória frente ao rival da cidade.

Já houve jogadores mais velhos a estrearem-se na NBA, como o argentino Pablo Prigioni, ou o brasileiro Marcelo Huerta, mas estes já eram “estrelas” com nome no basquetebol internacional quando chegaram à Liga já bem depois dos 30. Ingram era um total desconhecido que nem sequer ganhava dinheiro suficiente com o basquetebol para sustentar a família e, quando podia, dava explicações de matemática a miúdos do liceu para complementar os rendimentos. Eram 19 mil dólares o que ganhava por época na NBA G-League, uma Liga secundária. Em dez dias de NBA, ganhou 14 mil dólares.

Quatro anos na American University deram a Ingram uma formação em Física e refinaram as suas capacidades como atirador de longa distância, mas chegou a 2007 e ninguém da NBA o quis. Não entrou no “draft” e passou os 11 anos seguintes na Liga secundária à espera de uma oportunidade que nunca mais aparecia. Começou nos Utah Flash e, em 2012, foi para a Califórnia e para os LA D-Fenders, equipa afiliada aos Lakers. Nestes anos, teve várias ofertas lucrativas para jogar no estrangeiro e o máximo que fez foram dois jogos nos Perth Wildcats, da Liga australiana, antes de voltar para os EUA porque não queria estar longe da família, chegando a estar quase um ano parado para cuidar das duas filhas enquanto a mulher completava a sua formação académica. Continuou em Los Angeles, a fazer 50 jogos por temporada e sempre a mostrar um incrível acerto nos lançamentos longos – é o jogador com mais triplos convertidos (713) na história desta Liga secundária e com uma incrível percentagem de acerto (46%), para além de ser o jogador no activo com mais jogos (384).

Claro que Ingram provavelmente nunca teria uma oportunidade nos melhores tempos dos Lakers, na era de “Magic” Johnson ou na era de Shaquille O’Neal e Kobe Bryant, mas estes Lakers estão bem longe dos tempos de glória, e, com muita gente lesionada, o treinador Luke Walton (que tem apenas mais seis anos que Ingram) precisava de corpos para ter uma rotação completa nos últimos jogos da época. Fechada a temporada na G-League, Ingram foi ao centro de treinos sem nenhuma expectativa, mas emocionou-se quando lhe disseram que ia para os Lakers. “Magic” Johnson, um dos donos da equipa, deu-lhe logo ali as boas-vindas ao clube.

Ingram deu tudo frente aos Rockets e um dos triplos que marcou foi a menos de um minuto do final, mantendo os Lakers na luta por um jogo que acabariam por perder. Mas não foi por isso que o novato-veterano deixou de recolher o elogio unânime, de colegas e adversários. “Isto não foi apenas uma coisa simpática. Trouxemo-lo porque sabíamos que ele nos podia ajudar. Tínhamos muitos lesionados e ele sabe atirar”, dizia no final do jogo o treinador Luke Walton, que ofereceu a bola de jogo a Ingram.

“A minha história é de resistência, mas houve alturas em que achei que não iria acontecer”, dizia Ingram após esse jogo com os Rockets. “Mas continuei porque achava mesmo que estava perto… E ia continuar até fisicamente não poder mais, ou a minha mulher dizer-me, ‘Vem para casa’”, referiu o “rookie” de 32 anos. Na NBA, já houve gente a jogar até aos 45 anos, e ainda há três jogadores no activo com mais de 40 (Vince Carter, Manu Ginobili e Jason Terry), e, numa altura em que quase toda a gente da Liga quer reproduzir o modelo dos campeões Warriors de terem toda a gente a atirar de longe, ainda haverá tempo para Ingram deixar as explicações de matemática em part-time e ter alguns anos como basquetebolista a tempo inteiro.

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