Que igualdade nos trouxeram quatro décadas de liberdade?

Quanto caminhou a igualdade entre homens e mulheres desde o 25 de Abril? Estudantes de Coimbra lançam esta quarta-feira uma edição especial do Jornal Mundus dedicada à igualdade de género

Foto
Sapata Press

Era uma vez uma viagem pela condição das mulheres em Portugal. Uma travessia de pontes entre a memória e o presente-futuro, das lutas que se fizeram e dos caminhos que ainda estão por fazer. Uma viagem para ser feita de um único fôlego, sem saltos, para que no encadeamento da história, da Primeira República até ao futuro que ainda não está nos livros, se encontre o sentido político da colecção de pequenos ensaios O Desabrochar da Igualdade — Lutas e conquistas das mulheres portuguesas, uma edição especial do Jornal Mundus. 

Na transição entre o Março das Mulheres e o Abril da Revolução, é apresentada em Coimbra, nesta quarta-feira, 11 de Abril, esta edição dedicada ao duo “liberdade/igualdade”, com a presença de Manuela Tavares, especialista em estudos das mulheres e activista da UMAR. O trabalho colectivo reúne pequenos ensaios de autoras como Anne Cova, Diana Andringa, Irene Flunser Pimentel, Lígia Amâncio e Virgínia Ferreira ao longo de 60 páginas. As ilustrações estiveram a cargo de Cecília Silveira, da Sapata Press, projecto editorial que pretende dar destaque a artistas mulheres e pessoas não-binárias.

Foto
Sapata Press

Fala-se das feministas pioneiras, da ditadura e da resistência, de liberdade, sexualidade, racismo e masculinidades. Das regras que ainda estão por quebrar. Fala-se de poder. Trata-se de “uma espécie de cronologia, mas sempre com um traço crítico”, descreve ao P3 Mariana Riquito, 20 anos, da equipa do Jornal Mundus. “Queremos ver as evoluções e as rupturas que houve de facto, mas também as continuidades, aquilo que ainda persiste, as violências e as desigualdades às quais as mulheres ainda estão sujeitas”. Conhecer a história para compreender o presente e projectar o futuro.

Igualdade de género: debate é insuficiente

O Mundus é um projecto do Núcleo de Estudantes de Relações Internacionais (NERIFE) da Universidade de Coimbra (UC), criado de forma informal em 2012 e que ganhou corpo em papel em Outubro do ano passado, com o impulso de Mariana Riquito e da colega Catarina Silva. Para o projecto, que teve as últimas edições financiadas pela Faculdade de Economia da UC, contribuem estudantes, professores e investigadores — desde Elísio Estanque sobre a praxe a Filipe Duarte Santos sobre as alterações climáticas —, num espaço que se pretende de reflexão e pensamento crítico.

Para Mariana Riquito, estudante de relações internacionais, o debate na academia sobre igualdade de género ainda é insuficiente. Apesar de o feminismo se ter tornado “quase como uma cultura pop”, e de agora haver uma espécie de “vaga mainstream” do movimento feminista, Mariana ainda sente “muita apreensão, muito pouca receptividade na comunidade académica” para falar desses temas. Em Coimbra, nomeadamente, reconhece essas marcas na praxe e “noutras tradições que continuam muito radicadas na cidade” ou, ainda, na forma como “as mulheres brasileiras são tratadas por professores e por professoras”.

Foto
Sapata Press

É daí que nasce para Mariana a necessidade de trazer o tema para o Jornal Mundus. “Temos tido um retorno muito positivo, e se tenho uma plataforma que pode de facto chegar a mais pessoas e ter algum impacto na comunidade estudantil, pareceu-me evidente ter que tornar visível, dar voz e dar palco a estes temas que são muitas vezes marginalizados.”

"Somos mais livres”, mas não chega

Nestes 44 anos de democracia, terão já as mulheres alcançado uma verdadeira liberdade? “Claro que temos mais liberdade, mas essas liberdades são sempre muito condicionadas pela experiência de ser mulher e pela experiência de viver num regime patriarcal”, pondera Mariana. “É claro que houve grandes evoluções, mudanças no código penal, [por exemplo] o aborto poder ser praticado em Portugal de forma acessível, o facto de o casamento entre pessoas do mesmo sexo ter sido legalizado”.

Foto
Sapata Press

“Somos mais livres”, remata, “mas é óbvio que essas liberdades ainda não são plenas para as mulheres, particularmente para mulheres negras, mulheres imigrantes, mulheres trans, lésbicas, bi”. Uma diversidade menos visível no rol de colaboradoras da edição especial, mas que grita nas páginas ilustradas pela Sapata Press. Não faltam as três Marias e uma “super mãe”, mas também uma mulher numa cadeira de rodas que segura o cartaz “deficiente é a troika e o governo”, uma pessoa trans, uma idosa que vende cravos, uma mulher negra que destrói a imagem cor de rosa do feminino.

Haverá outros espaços para todas as vozes, pelo menos é o que Mariana Riquito pretende. Depois da edição especial, o Mundus regressa ao seu formato normal, de 16 páginas, a cada dois meses. O jornal está disponível “em pontos-chave da cidade”, distribuído informalmente entre faculdades, bibliotecas, alguns cafés e ainda na Casa das Artes de Coimbra. Mariana ainda espera fazer chegar alguns exemplares a outras cidades.

As edições são gratuitas, mas quem as leva pode deixar um donativo livre para o projecto (nalguns locais há um porquinho mealheiro ao lado dos jornais). “Para breve” está o lançamento do site do projecto, onde estarão as edições e outros artigos em formato digital.Com o financiamento da FEUC a chegar ao fim, está em preparação uma campanha de crowdfunding para manter viva a chama do pensamento crítico. O futuro, agora, volta para as mãos dos estudantes.

Sugerir correcção
Comentar