Estaremos ainda a tempo de salvar o planeta Terra?

Esta quarta-feira, seis oradores da National Geographic vieram a Lisboa avisar-nos que estamos a fazer grandes estragos na Terra, mas que ainda vamos a tempo de minimizar esses danos.

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A oceanógrafa Sylvia Earle Miguel Manso
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A oceanógrafa Sylvia Earle Miguel Manso

Sylvia Earle foi a última oradora a subir ao palco do Coliseu dos Recreios, em Lisboa, esta quarta-feira. E pode-se dizer que a oceanógrafa era uma das presenças mais aguardadas da segunda edição da Conferência da National Geographic em Portugal. Assim que entrou no palco, o público aplaudiu-a. Sylvia Earle veio a Portugal alertar-nos para os problemas que os oceanos estão a enfrentar. Mas com ela veio também uma mensagem optimista: ainda estamos a tempo de remediar os estragos que estamos a fazer na Terra e todos podemos fazer parte dessa mudança. Aliás, esse foi o mote do dia.

No seu discurso, a oceanógrafa norte-americana começou por apresentar uma imagem do homem na Lua e outra da Terra vista do espaço. A intenção de Sylvia Earle era mostrar que iniciámos a exploração espacial na mesma altura em que começámos a explorar (melhor) o fundo dos oceanos: só no século XX. Vestida de azul, destacou a importância dos oceanos nas nossas vidas: “O oceano é a chave da sobrevivência. Deve-se ao oceano, não só o azul mas também o verde [do planeta]. Temos de protegê-lo.”

Sylvia Earle iniciou cedo o seu trabalho como oceanógrafa nos anos 50. Nessa altura, teve de lutar pelo seu papel como mulher cientista. Por exemplo, já nos anos 60, quando foi numa expedição ao Quénia, houve um jornal que fez um título como: “Sylvia navega com 70 homens.” Agora, brinca: “Hoje podiam fazer um a dizer: ‘Um homem navega com 70 mulheres’”. A audiência riu. A verdade é que Sylvia Earle, agora com 82 anos, conseguiu vingar como cientista. Foi a primeira cientista-chefe da agência dos oceanos e da atmosfera dos EUA (NOAA) em 1990, tem mais de 175 publicações sobre oceanos e aconselha chefes de Estado sobre a legislação de protecção marinha.

Também veio a Lisboa para nos dizer como é bom explorar os oceanos e como se tem adquirido cada vez mais conhecimento sobre eles. “Conseguiu-se saber muito sobre os oceanos através de meios indirectos [como redes]”, indicou. Mas houve avanços tecnológicos e temo-nos aproximado cada vez mais deles. E, orgulhosa, mostrou-nos fotografias no seu pequeno submarino que tem uma espécie de braços. “Quem gostava de andar num submarino?”, perguntou ao público. E foram várias as pessoas na sala que levantaram o braço.  

Nem tudo o que tem visto no seu submarino (e através de outros meios) tem sido bonito. Um dos exemplos são os recifes de coral, “a selva do mar”, como os descreveu. “Agora parecem campos de neve”, disse, referindo-se ao fenómeno de branqueamento em massa que têm enfrentado desde os anos 80 e que os pode levar à morte.

O outro grande exemplo foi o plástico que chega aos oceanos. “Todos aqui usamos plástico. O problema não são os materiais, o problema é o que se faz com os materiais. O oceano não é lugar para depositar coisas. A verdade é que não sabíamos isso, mas agora já sabemos”, disse com a sua voz doce e calma. A oceanógrafa explicou que nos anos 50, por exemplo, não tínhamos noção das consequências da sobreexploração que fazíamos dos recursos da Terra. “Se pudéssemos voltar a esse tempo seria perfeito”, idealizou.

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A oceanógrafa Sylvia Earle Miguel Manso

Mas ainda vamos a tempo de mudar, segundo a oceanógrafa. “Somos os agentes de mudança”, afirmou. Alguns dos seus conselhos para que isso aconteça foram a aquisição de conhecimento sobre os oceanos e o respeito que lhes devemos.

A oceanógrafa também vê sinais de mudança, como grupos de crianças que apanham lixo nas praias e outros grupos que recusam comer sopa de tubarão, para que a caça excessiva a estes animais termine. Outro dos sinais positivos que destacou foram as áreas marinhas protegidas nos oceanos, como aconteceu nos Estados Unidos e no México. “Temos de tomar conta da Terra e do oceano”, aconselhou. “Temos a chance de abraçar esta oportunidade e é agora.”

E deixou uma mensagem perante um Coliseu quase cheio: “Tenho esperança que quando se forem embora, olhem para o espelho e pensem nos vossos superpoderes. Pensem no que podem fazer. Estamos numa altura com muitas oportunidades.”

A beleza de Angola

Antes de Sylvia Earle nos mostrar como o nosso belo planeta está a ficar “mais feio”, o fotojornalista Charlie Hamilton James já o tinha feito com as suas fotografias. Pela primeira vez em Portugal, começou por nos mostrar “fotografias bonitas” e a comentar as suas simetrias. Mas aquilo que quer fazer mesmo com as suas fotografias são histórias. E as suas histórias são sobre a preservação da natureza. Para isso, desmontou-nos a “anatomia” das suas fotografias de abutres. Se em algumas das fotografias se destaca a “personalidade” dessas aves, como a sua agressividade, noutras vê-se que estão a enfrentar grandes problemas de conservação. “São as aves com o maior declínio no planeta”, alertou.

Também viajou e tirou fotografias a comunidades que vivem mais próximas da natureza, como na Amazónia. E frisou como essas pessoas nos podem ensinar muito: “Essas pessoas estão na linha da frente da conservação.” E o público fez questão de apoiar essa afirmação com um enorme aplauso. “Podemos fazer do mundo um lugar melhor”, rematou.

Já a exploradora angolana Adjany Costa veio a Lisboa dizer que há motivos para termos esperança num mundo melhor e que também ganhou essa esperança com as comunidades mais remotas. “Havia pessoas que tinham mais conhecimento [da natureza] do que doutorados da minha equipa”, salientou. Adjany Costa estudou biologia marinha e é directora em Angola do Projecto Okavango da National Geographic. Nesse projecto estuda-se uma grande área de território (praticamente não explorado) que abrange países como a Namíbia, o Botswana e Angola. Nessa área há culturas, línguas e políticas diferentes, assim como uma natureza ainda “pura” para se descobrir.

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A exploradora Adjany costa Miguel Manso

Durante o discurso, desvendou que foi a única mulher da equipa na primeira expedição em busca da nascente do rio Cuito. E assumiu, com ironia, que sentiu, por isso, uma enorme quantidade de testosterona durante essa expedição.

Mas Adjany Costa esteve em Lisboa para nos mostrar como “Angola é linda”, apesar de durante grande parte da sua vida não ter tido consciência disso. Agora até lhe chama a sala de estar de África. “Quero passar esse ângulo de Angola, que não é só Luanda. Temos desde floresta tropical a deserto. Só há pouco tempo me apercebi disso e nem percebia que não tinha esperança [em Angola].” Agora a sua missão é tornar grande parte da área que estuda (não só em Angola) uma área com protecção legal.

A verdade é que a Conferência da National Geographic deste ano esteve repleta de mulheres corajosas. A jornalista portuguesa Mariana Van Zeller, que é correspondente do canal National Geographic, é um exemplo disso. Já reportou a deslocação de sírios para o Iraque ou documentou o abuso de drogas e o tráfico de comprimidos com prescrição nos EUA. “Estamos numa época em que o verdadeiro jornalismo é mais necessário que nunca”, disse, apontando três condições fundamentais para o fazer: ser perseverante, ter empatia e correr riscos.

Já a activista Hyeonseo Lee, que cresceu na Coreia do Norte, contou como tem sido a sua luta contra o regime norte-coreano. Aos 17 anos fugiu para a China e aos 28 mudou-se para a Coreia do Sul. Hoje percorre o mundo para contar a sua história e promete que vai continuar até o regime cair. Esta quinta-feira, vai estar na Fnac Chiado, em Lisboa, para falar sobre o seu livro A Mulher com Sete Nomes. Afinal, teve de mudar de nome muitas vezes na sua fuga.

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O astronauta Terry Virts Nuno Ferreira Santos

Por acaso, durante a sua apresentação, o astronauta norte-americano Terry Virts mostrou o contraste da iluminação nocturna entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte visto do espaço. Enquanto a Coreia do Norte era praticamente invisível à noite – tirando o “pontinho” luminoso da capital Pyongyang – a Coreia do Sul era bem visível. “Uma vive na luz e outra na escuridão”, disse. A fotografia era uma das suas actividades preferidas no espaço, onde esteve mais de 200 dias e tirou mais de 300 mil fotografias.

Também a sua apresentação nesta conferência foi repleta de fotografias, desde as que ilustram o quotidiano na Estação Espacial Internacional (ISS) às paisagens que viu a partir da janela da ISS. Entre elas, apresentou uma fotografia de Portugal. E um ligeiro “uau” soltou-se na plateia. Mas o norte-americano não tirou só fotografias bonitas no espaço. Também mostrou como a beleza da Terra está a ser “contaminada”. Um exemplo foi uma fotografia da China com tons acastanhados. “É a poluição”, alertou a apontar para aquela imagem que podia ter ficado bem mais bonita sem aqueles tons.

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