Aterro sanitário do Sotavento lança há duas semanas águas sujas na bacia do Guadiana

A Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) está avariada há cerca de seis meses. A água das chuvas não foi suficiente para camuflar o alegado crime ambiental – os efluentes, da cor do café, escorrem pela montanha.

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O aterro sanitário do sotavento algarvio, na serra do Caldeirão, está a lançar os lixiviados (líquido com grande carga poluente proveniente da biodegradação dos resíduos depositados) directamente na ribeira do Vascão. A água escura corre pela montanha abaixo, há pelo menos duas semanas, em direcção ao rio Guadiana. “Estamos perante um crime ambiental”, denuncia o presidente da junta de freguesia de Salir, Deodato João: “Basta olhar para a cor da água para se perceber o que se está aqui passar — contaminação das linhas de água”, observa. As queixas não são inéditas — no Verão passado foi o incêndio que intoxicou, com gases e maus cheiros, o ar.

Na origem desta última situação poderão estar as chuvas. A pluviosidade, considerada anormal para a época, aparentemente alterou o modo de funcionamento desta infra-estrutura. Um das duas lagoas de estabilização da Estação de Tratamento das Águas Residuais (ETAR) passou a deitar os efluentes na linha de água sem passar pelos filtros. O facto de estar a chover poderia ter diluído a matéria poluente mas não foi o suficiente para camuflar o eventual crime ambiental. A administração da Algar, a empresa responsável pelo aterro, em resposta às questões do PÚBLICO, disse que “incidente no aterro da Algar resultou do excesso anormal de pluviosidade e ventos fortes que se fizeram sentir nos últimos dias”. A empresa diz ter tido conhecimento do que se estava a passar a 7 de Abril, tendo “informado de imediato” as entidades responsáveis pela fiscalização: ARH/Algarve e Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR).

O Serviço de Protecção da Natureza e Ambiente (SEPNA) da GNR foi chamado a intervir, acompanhado da ARH, no sábado à tarde, tendo recolhido amostras dos lixiviados. Segundo os autos, a descarga deu-se a partir da ruptura das telas da célula, onde ocorreu um incêndio no Verão passado. Durante a noite foi construído um dique para os lixiviados e as águas pluviais, que extravasaram a zona impermeabilizada. “No dia seguinte [domingo] a cor da água era muito mais clara, completamente diferente do que se tem passado nos últimos dias”, comentou Adérito Cavaco, residente na Cortelha — a localidade que mais tem sido atingida pelos impactos negativos desta infra-estrutura.

No dia 28 de Março, Irina Martins, outra residente, comunicou à ARH o que observara três dias antes no início da ribeira do Vascão: “A linha de água encontra-se contaminada por resíduos que tornam a água negra, contendo inclusive vestígios de espuma branca”. Na quarta-feira da semana passada, a ARH/Algarve recolheu amostras para análise mas ainda não são conhecidos os resultados.

No sítio da Fornalha, a cerca de três quilómetros de distância do aterro, ainda era visível no fim-de-semana o lençol de água escura, com cerca de dois metros de largura, deslizando rumo ao rio Guadiana. Para se ter a uma ideia do grau de poluição, comentou Adérito Cavaco, “basta ver o que acontece no Verão: desaparece a água e as pedras da ribeira ficam cobertas de detritos negros”.

A ETAR que serve o aterro encontra-se avariada há cerca de seis meses. Em alternativa, a empresa concessionária do aterro passou a fazer o transporte dos lixiviados em camiões-cisterna para as ETAR na zona litoral, através de um acordo com a empresa Águas do Algarve. Mas mesmo quando a estação de tratamento dos efluentes se encontrava operacional, de quando em vez surgiam reclamações pelo mau funcionamento do aterro. “Fecham os olhos ao que se passa na serra”, lamenta o presidente da junta de Freguesia, acrescentando: “Trata-se de uma situação crónica”.

Desde o Verão passado, após um incêndio ocorrido numa das células do aterro — que lançou para a atmosfera maus cheiros e gases tóxicos, durante mais de duas semanas — as críticas subiram de tom. A Assembleia Municipal de Loulé fez várias tentativas, sem êxito, para saber o que se passa nesta infra-estrutura que recebe, na serra, metade do lixo que se produz no Algarve. A outra parte é tratada no aterro do Barlavento (Portimão). O deputado municipal Fernando Marques, socialista, solicitou à Algar que lhe fossem fornecidos os elementos que lhe permitissem “avaliar da capacidade de controlar e evitar a libertação de metano para a atmosfera”, bem como o modo e forma de tratamento dos esgotos. Decorrido quase um ano, diz o presidente da Assembleia Municipal, Adriano Pimpão, “não houve resposta”. A denúncia do “incumprimento das responsabilidades ambientais” por parte da empresa surgiu de todas as bancadas. Em virtude do último incidente foi marcado para hoje uma reunião extraordinária, na câmara de Loulé.

Sobre a avaria na ETAR, a Algar diz que a estação encontra-se “em manutenção”, prevendo que esteja operacional no final desta semana.

O aterro sanitário do Sotavento já esgotou a sua capacidade. Para responder às necessidades crescentes de tratar o lixo, a empresa concessionária, de maioria de capitais privados, pretende duplicar a capacidade de armazenagem com a construção de mais duas células. Com a célula que deverá estar concluída no final do ano, o aterro ficará em condições de receber 130 mil toneladas de resíduos por ano. A emissão da licença de exploração, a emitir pela CCDR/Algarve, está dependente do parecer do município. “Exigimos que seja uma entidade independente a monitorizar e a fiscalizar o funcionamento do aterro”, foi já adiantando o autarca de Loulé, reiterando as críticas feitas no âmbito da Comunidade Intermunicipal do Algarve — Amal.

A empresa, por seu lado, diz que accionou o Plano Interno de Contingências, de acordo com as Normas de Qualidade e Ambiente, e “mobilizou de imediato todos os seus recursos” para resolver o problema com que foi confrontada.

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