Fraca adesão põe em risco fundo para lesados do BES

Problemas burocráticos estão a atrasar o processo de adesão dos clientes do papel comercial do BES ao fundo criado para lhes reembolsar das perdas. A uma semana do fim do prazo, a adesão está muito abaixo da meta definida.

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Lesados do papel comercial do BES protestaram durante meses por uma solução para as suas poupanças perdidas na queda do banco Rui Gaudêncio

Alterações nas exigências de validação dos formulários, lentidão nos processos de uniformização das centenas de casos espalhados por vários balcões do Novo Banco e até regras mais apertadas nas impressões dos documentos que servem de base aos contratos de adesão ao fundo. Um diversificado conjunto de problemas burocráticos que, a menos de uma semana do fim do prazo, mantém a adesão em níveis tão fracos que levaram a própria Associação dos Indignados e Enganados do Papel Comercial do BES (AIPEC) a emitir um alerta público.

Até ao momento, segundo apurou o PÚBLICO, apenas 15% do universo total de 2000 lesados do papel comercial já tem os contratos de adesão validados pelas entidades que estão a conduzir a constituição do fundo, a Patris e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). O número sobe para perto de 30% se se considerar os contratos de adesão completos que já foram entregues, embora parte ainda a precisar de validação. Valores que ficam aquém da meta definida para completar com sucesso o processo que culminou longos meses de negociação entre reguladores, representantes de clientes e Governo. E que deverá resultar, se bem-sucedido, no pagamento de uma primeira tranche aos lesados do BES já no próximo mês de Maio.

O alarme foi disparado pela própria AIPEC, numa comunicação enviada às redacções na última quinta-feira, e assinada pelo presidente da associação, Ricardo Ângelo. Numa referência à solução encontrada, este responsável sublinha que “o acordo extrajudicial, preconizado pelo Governo e que pretende antecipar as poupanças dos Lesados do Papel Comercial, terá como prazo final o dia 12 de Abril de 2018”. Adicionalmente, num reforço da importância de respeitar este prazo, a Associação destaca que “após este dia, os lesados que não aderiram ao acordo serão automaticamente excluídos da solução encontrada”. Finalmente, Ricardo Ângelo vai mais longe e alerta: “para que esta solução se materialize será necessária a adesão de 50%+1 dos lesados”. Se esta meta não for cumprida, o fundo não será constituído e todo o processo actual em curso será anulado, falhando as metas de pagamento já assumidas pela Associação.

Recorde-se que a solução encontrada para os lesados prevê o pagamento de 75% das aplicações até 500 mil euros (com limite de 250 mil euros) e 50% para valores acima de 500 mil euros.

Para aderir, os clientes terão de devolver, até à próxima quinta-feira, os contratos que lhes foram sendo enviados, bem como os comprovativos de reclamação de créditos junto dos processos de liquidação da ESI e da Rio Forte (condição fundamental para integrar o fundo, dado o potencial de recuperação de capital que essas liquidações oferecem). A gestão do fundo é assegurada pela Patris, mas o Novo Banco continuou, nas últimas semanas, a dar apoio no contacto dos clientes. Também será no Novo Banco que ficarão as contas de pagamento das indemnizações aos lesados.

A aprovação do fundo pela CMVM prevê a garantia de pagamento de pelo menos cerca de 280 milhões de euros (de um total de 430 milhões de euros), em três tranches (em 2018, 2019, 2020). O dinheiro para esse pagamento vem do Estado, sob a forma de empréstimo, como vai acontecer já na primeira tranche (145 milhões de euros), ou através de empréstimo bancário, mas garantido pelo Estado. Uma exposição de dinheiro dos contribuintes que terá inevitavelmente reflexos nas contas públicas a partir do momento que for accionada.

A Patris assumirá a recuperação de créditos junto das empresas do BES, em liquidação, mas também de outros processos contra outras entidades e pessoas, desde consultoras até ex-administradores do BES, com Ricardo Salgado à cabeça.

Este caso, que já dura há mais de três anos, começou com a subscrição por milhares de clientes do Banco Espírito Santo (BES) de títulos de papel comercial da ESI e da Rio Forte, do universo Grupo Espírito Santo (GES), vendido aos balcões do BES, na generalidade dos casos, como produto sem risco. Depois de longos meses de protestos, estes clientes do BES uniram-se num grupo suportado por advogados e começaram a construir uma solução sem precedentes no investimento em Portugal: um fundo que reunisse direitos de participação na liquidação daquelas sociedades sediadas no Luxemburgo, ao abrigo de um novo enquadramento legal criado para este efeito, mas que poderá vir a ser usado em situações semelhantes no futuro. com Rosa Soares

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