ACT diz que Groundforce violou a lei ao pagar bónus a apenas alguns trabalhadores

Inspecção do trabalho afirma que empresa discriminou trabalhadores devido à filiação sindical e prejudicou os sindicatos. Processo pode configurar crime e foi remetido para o Ministério Público.

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Empresa é detida a 50,1% pela Pasogal (Urbanos) e a 49,9% pela TAP JOÃO HENRIQUES

A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) acusa a SPdH/Groundforce, empresa de tratamento de bagagens que opera nos aeroportos nacionais, de discriminar alguns trabalhadores na atribuição de bónus salariais devido à sua filiação sindical e de dificultar a acção dos sindicatos.

Estas infracções podem constituir crime “por violação da autonomia ou independência sindical, ou por acto discriminatório”, o que levou a ACT a remeter o processo para o Ministério Público.

O resultado da acção inspectiva foi comunicado na passada quarta-feira pela ACT aos quatro sindicatos envolvidos no processo: o Sindicato dos Técnicos de Handling de Aeroportos (STHA), o Sindicato dos Quadros da Aviação Comercial (SQAC), o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Aviação Civil (SINTAC) e o Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Afins (SIMA).

Na mensagem enviada às estruturas representativas dos trabalhadores, a ACT diz que, na sequência da análise efectuada, “se considerou existir, face aos factos verificados, violação do n.º 2 do art.º 405.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 406.º, ambos do Código do Trabalho”.

O artigo 405.º, relativo à autonomia e independência das estruturas de representação colectiva dos trabalhadores, tem uma norma que diz que “os empregadores não podem”, intervir na organização e gestão dos sindicatos, “assim como impedir ou dificultar o exercício dos seus direitos”.

Já o artigo 406.º estabelece que é “proibido e considerado nulo” o acordo ou outro acto que vise “despedir, transferir ou, por qualquer modo, prejudicar trabalhador devido ao exercício dos direitos relativos à participação em estruturas de representação colectiva ou à sua filiação ou não filiação sindical”.

De acordo com a ACT, foram estas as normas violadas pela Groundforce e como estas infracções “constituem crime”, além de uma “contra-ordenação grave”, o processo foi remetido para o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), por ser a “autoridade competente para o processo criminal”.

Por parte da Groundforce, fonte oficial afirmou que "cumpre escrupulosamente a legislação", e que "está muito segura e confiante no que diz respeito à sua conduta enquanto empregador de milhares de pessoas". Questionada sobre se iria contestar o resultado da acção inspectiva da ACT, a mesma fonte referiu que a empresa prestou "todas as informações e esclarecimentos" à ACT, mas que não tinha sido notificada "dos fundamentos da conclusão desta acção inspectiva", pelo que não iria fazer comentários.

Revisão salarial sem acordo

O processo começa no início de Novembro do ano passado, quando, ao contrário de duas outras estruturas de trabalhadores (o SITAVA e o STTAMP), os quatro sindicatos em causa não assinaram o acordo para a actualização das tabelas salariais proposto pelo presidente da Groundforce. Isto porque, segundo afirmou ao PÚBLICO André Teives, presidente do STHA e porta-voz da plataforma onde os quatro sindicatos estão reunidos, o acordo previa aumentos diferenciados, de 7,6% para a categoria de iniciados e de 1% para o resto dos trabalhadores.

O maior aumento seria, assim, apenas para os novos contratos, já que, diz André Teives, não há actualmente nenhum trabalhador com a categoria de iniciado na Groundforce. Isso foi rejeitado pelos quatro sindicatos, tendo em conta, também, que o último aumento tinha sido, conforme afirmou este dirigente sindical, em 2008.

Entre outras condições, o acordo envolvia também a entrega de uma compensação extraordinária equivalente a meio salário base, a pagar no dia 15 de Dezembro de 2017 aos funcionários que tivessem prestado “nos últimos doze meses, seis meses de trabalho efectivo”.

A 30 de Novembro, com os quatro sindicatos fora do acordo de revisão salarial, o presidente da Groundforce enviou uma mensagem aos trabalhadores onde afirmava que o bónus de meio ordenado seria pago “a todos os trabalhadores que até à data de 11 de Dezembro se encontrem filiados num dos sindicatos subscritores do acordo nessa data e a todos os trabalhadores sem filiação conhecida até essa data”, de acordo com a missiva a que o PÚBLICO teve acesso.

No dia em que a mensagem do presidente da empresa foi enviada, os quatro sindicatos remeteram um comunicado aos seus associados onde afirmavam que a comunicação do presidente da Groundforce violava de forma “grosseira, gratuita e arrogantemente os mais básicos princípios” do sistema jurídico.

Isto porque, sublinhava-se, “intenta fazer tábua rasa dos princípios do Estado de direito democrático (art.º2) e da igualdade e não discriminação (art.º 13º e 26º nº1), atentando frontalmente contra os mais elementares direitos fundamentais, nomeadamente o direito à liberdade sindical (art.º 55º) e diversos direitos dos trabalhadores (art.º 59º), todos consagrados na Constituição da República Portuguesa e concretizados no Código de Trabalho”.

Já a 4 de Dezembro o presidente da Groundforce enviou uma mensagem de esclarecimento sobre o pagamento da “compensação única – prémio extraordinário”, onde defende que este faz “parte integrante do acordo de revisão salarial celebrado com o SITAVA e STTAMP” e que não é limitativo da liberdade sindical. Os trabalhadores da empresa, diz, “são livres de se filiarem, ou não, no sindicato da sua escolha”.

Pedido de intervenção da ACT

É no meio desta polémica que a ACT avança com uma acção inspectiva a pedido dos sindicatos, e cujos resultados foram agora conhecidos. Entretanto, e para poderem receber o meio salário que foi colocado em cima da mesa pelo presidente da Groundforce, houve trabalhadores que se desvincularam dos sindicatos a que estavam ligados, e outros que saíram e voltaram a entrar depois de arrecadar o bónus.

De acordo com André Teives, todo este processo “é inédito”, afirmando que os quatro sindicatos vão constituir-se como assistentes no processo junto do Ministério Público já na próxima semana. “Fomos alvo de crimes, somos vítimas e lesados”, acrescentou este dirigente sindical.

A ideia dos sindicatos, diz André Teives, é avançar com processos cíveis contra o presidente da Groundforce, envolvendo pedidos de indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais. No imediato, diz o dirigente sindical, a expectativa é a de que a empresa pague agora o meio salário em causa aos cerca de 600 trabalhadores ligados a estes sindicatos e que ainda nada receberam.

Ao todo, trabalham perto de 2500 pessoas na Groundforce, detida a 51,1% pela Pasogal do grupo Urbanos, e a 49,9% pela TAP - onde o Estado, por sua vez, é dono de metade do capital.

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