Com críticas, Marcelo promulga decreto-lei do cinema – "a prova de que temos razão", diz Plataforma

Plataforma do Cinema, que se congratula com reparos do Presidente, recusa indicar nomes para constituir júris para os concursos. Concursos já estão seis meses atrasados.

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Filipe Arruda / PUBLICO

O Presidente da República promulgou neste sábado, mais de um mês depois da sua aprovação em Conselho de Ministros, o decreto-lei que regulamenta a Lei do Cinema e que permitirá que abram os concursos de 2018. O risco de provocar “um atraso suplementar” é invocado por Marcelo Rebelo de Sousa para não vetar um diploma que não corresponde “à posição a seu ver preferível” sobre a constituição dos júris e que dê menos peso à Secção Especializada do Cinema e do Audiovisual (SECA). Mas a Plataforma do Cinema, que "defende que a SECA deve ficar completamente arredada" dos concursos, recusa até lá indicar nomes para os júris.

As críticas do Presidente da República "são a prova de que temos razão", reagiu este sábado Cíntia Gil, membro da Plataforma do Cinema, que tem contestado este tema há mais de um ano e reúne 14 festivais e associações do cinema português. Da promulgação da lei estava dependente a abertura dos concursos que distribuirão 19 milhões de euros para o cinema e audiovisual e que, tal como no ano passado, começarão com mais de seis meses de atraso. 

Na manhã deste sábado, notando que o debate no sector recaiu “apenas sobre o modo de designação desses jurados”, Marcelo Rebelo de Sousa constatou que o Governo optou “por uma fórmula que se afasta da vigente desde 2014, já que diminui a intervenção da SECA - reduzida a, eventualmente, apresentar nomes e a dar parecer não vinculativo sobre a lista pré-final aprovada pelo ICA [Instituto do Cinema e do Audiovisual]”, indica a Presidência da República em comunicado.

O novo decreto-lei, que substitui o seu antecessor n.º124/2013 e que regulamenta a Lei do Cinema (abrange as regras para as medidas de apoio, a cobrança de taxas ou registo de obras), não corresponde porém à solução que o Presidente da República preferia: a criação de uma “bolsa de jurados constituída pelo ICA, [sendo] ouvida nomeadamente a SECA, e escolha de júris concretos dentro dessa bolsa, sem necessidade de novo parecer mesmo não vinculativo da SECA”. 

Em plena polémica no sector da cultura quanto aos apoios às artes, o Presidente da República promulgou a lei ciente do atraso na abertura dos concursos, mas também da centralidade da discórdia no meio em torno deste decreto-lei: o artigo 14.º do decreto-lei anterior dividia facções e associações do cinema português, entre as preocupações com o peso dos operadores de televisão por subscrição nas decisões do Governo por elas alegadamente "manietado" pelo seu lugar nos júris, mas também quanto à diversificação de um sector descrito como "doente"

“Atendendo a que o diploma representa já um passo num sentido de atenuação do peso das entidades empresariais e, sobretudo, a que um veto implicaria um atraso suplementar no constituição dos júris e no financiamento ao sector, o Presidente da República decidiu promulgar o diploma”, lê-se no comunicado de Belém. Assim, disse apenas o secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado, "após a publicação do decreto-lei do cinema e do audiovisual, hoje homologado, estão reunidas as condições para a sua entrada em vigor podendo, depois disso, o ICA dar seguimento aos procedimentos para abertura dos concursos". Na resposta por escrito, enviada este sábado ao PÚBLICO, Honrado não comentou os reparos do Presidente da República nem arriscou datas para os próximos passos.

Cíntia Gil, directora do festival DocLisboa e um dos membros da Plataforma do Cinema, espera agora que haja uma "reapreciação parlamentar" do decreto-lei que o possa reformular. A 14 de Março, tanto o PCP quanto o Bloco de Esquerda anunciaram a intenção de pedir a apreciação parlamentar do decreto-lei. Num comunicado enviado entretanto pela Plataforma do Cinema, esta assinala que esta medida "poderá alterar o decreto-lei sem paralisar a abertura dos concursos, o que não sucederia em caso de veto presidencial".

No mesmo comunicado da tarde deste sábado a Plataforma mantém a sua posição: "a única forma de assegurar a transparência e equidistância nos concursos é afastar os interessados nos seus resultados de se poderem pronunciar sobre júris. Por isso, defende que a SECA deve ficar completamente arredada do decreto-lei que regula os concursos. Nesse sentido, os membros da plataforma com assento na SECA recusam-se a indicar júris". 

No final de Março, confrontado pelo PÚBLICO com a data que anunciara para abertura dos concursos, o secretário de Estado Miguel Honrado considerava, apesar de ainda existirem críticas ao novo decreto-lei, ter ido "ao encontro do posicionamento da Plataforma do Cinema" - "Neste momento", disse o governante, "o ICA tem a decisão soberana de escolha dos júris".

A nota da presidência dá ainda conta de como a solução encontrada pela tutela não agradou a qualquer das partes: nem aos que “prefeririam maior influência por parte dos criadores”, nem atribui “o peso que as operadoras de telecomunicações e as empresas televisivas detinham no passado recente”. O Presidente da República aponta ainda que “o presente diploma e, sobretudo, os debates que suscitou, não equacionaram questões essenciais no domínio versado, como o papel do Estado, a decorrente estratégia do Instituto do Cinema e do Audiovisual para os próximos anos e seu reflexo nos critérios específicos a respeitar pelos jurados”. 

A Plataforma foi recebida pelo Presidente no final de Março para discutir o novo decreto-lei. "As críticas que apresenta o Presidente da República são as mesmas críticas que apresentamos", sublinhou Cíntia Gil ao PÚBLICO, considerando o comunicado de Belém "um reconhecimento". 

O teor do decreto-lei ainda não é público mas a 22 de Fevereiro, após a reunião do Conselho de Ministros, o ministro Luís Filipe Castro Mendes tinha já frisado que com o novo decreto-lei o papel da SECA é “representativo, mas [só] consultivo”. E leu do diploma: “as listas de jurados são compostas por personalidades de reconhecido currículo, capacidade e idoneidade, com manifesto mérito cultural e competência. Compete ao ICA constituir uma lista de jurados efectivos para cada concurso e uma lista comum de jurados suplentes, após audição inicial da SECA na qual podem ser apresentadas pela SECA propostas de jurados ou considerações sobre os critérios que o ICA deve considerar no processo da sua selecção. Uma vez constituídas as listas referidas são apreciadas em reunião da SECA. Após consulta não vinculativa, o ICA aprova as listas definitivas de jurados e a lista comum de suplentes”.

 

Notícia corrigida às 17h50: a recusa de indicação de nomes para os júris por parte da Plataforma do Cinema não condiciona a possibilidade de abertura de concursos

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