Governo vai criar regime extraordinário para garantir luz nos bairros precários

Regime a ser criado terá carácter extraordinário e provisório. Comissão Nacional de Protecção de Dados diz que lei tem que ser mais clara para impedir a identificação dos moradores.

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Governo vai criar um “regime assumidamente extraordinário, de cariz provisório, para garantir o fornecimento de electricidade aos núcleos habitacionais carentes” Rui Gaudêncio
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Comissão de Protecção de Dados alerta para a necessidade de, estando “perante famílias em situação de grande vulnerabilidade económica e social”, haver um “especial cuidado" no que diz respeito à sua exposição pública Rui Gaudêncio
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É o exemplo do Bairro da Torre, em Camarate, onde cerca de 200 pessoas que vivem sem luz há cerca de um ano e meio Rui Gaudêncio
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Caberá às autarquias sinalizar os núcleos de habitações precárias, que podem ser um conjunto de casas próximas, um prédio ou uma série de prédios contíguos Rui Gaudêncio

A secretaria de Estado da Energia tem em mãos um projecto de decreto-lei com vista à criação de um regime extraordinário que permita ligar as casas localizadas em núcleos de habitações precárias à rede pública de electricidade. O documento ainda não está fechado, mas já recebeu um parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), que alerta para a necessidade de a lei impedir a identificação dos moradores.

O projecto de decreto-lei está a circular desde Agosto dentro do gabinete da Energia, podendo, por isso, sofrer alterações antes de chegar ao Conselho de Ministros, onde será votado. O que consta da versão que chegou à CNPD é uma proposta de criação de um “regime assumidamente extraordinário, de cariz provisório, para garantir o fornecimento de electricidade aos núcleos habitacionais carentes”. Como? Através da articulação entre o Estado, os municípios e as distribuidoras de energia eléctrica.

Isto porque a tutela considera que a “electricidade é um bem essencial e está sujeita a obrigações de serviço público”. Este projecto surge depois da Assembleia da República, em Julho, ter recomendado ao Governo que assegurasse, entre outras questões, “a celebração com os comercializadores de contractos individuais de acesso aos serviços públicos essenciais, em especial o fornecimento de energia eléctrica".

Uma medida como esta afectará, por exemplo, as cerca de 200 pessoas que vivem no Bairro da Torre, em Camarate, sem luz há cerca de um ano e meio. Este bairro no concelho de Loures é essencialmente constituído por barracas.

Não identificação dos moradores

De acordo com este projecto de decreto-lei, serão as autarquias a sinalizar os núcleos de habitações precárias – que podem ser um conjunto de casas próximas, um prédio ou uma série de prédios contíguos –, assim como os agregados familiares que aí vivem.

Contudo, num parecer de 3 de Abril, a CNPD demonstra ter dúvidas sobre se se justifica que os municípios possam consultar os dados da Segurança Social para identificar quem reside em cada um dos fogos, como propõe esta versão do projecto. A comissão sugere que seja apenas registado o número de moradores – informação que as câmaras “terão certamente já na sua posse” –, o que permitirá perceber quantas ligações ou contratos terão que ser feitos.

A CNPD apenas concorda com o tratamento de dados pessoais se estes forem indispensáveis para garantir o acesso ao fornecimento de energia eléctrica. E, lê-se no parecer, estando “perante famílias em situação de grande vulnerabilidade económica e social”, deve haver um “especial cuidado, em particular no que diz respeito à sua exposição pública”.

Sobre isso, o projecto do Governo diz que a “identificação dos núcleos de habitações precárias, dos agregados familiares aí residentes, bem como as respectivas plantas de localização” serão “publicitadas em edital afixado nos lugares de estilo e no sítio electrónico da câmara”. O que não esclarece a CNPD sobre se será ou não divulgado o nome dos moradores ou outros dados que permitam a sua identificação (não é, de resto, claro que tipo de informação na Segurança Social podem os municípios consultar).

Se o Governo optar pela identificação das pessoas, tal é inadmissível aos olhos da comissão, por ser “manifestamente excessivo e intrusivo na esfera da vida privada”.

A comissão alerta, por isso, para a necessidade deste decreto-lei “prever expressamente” que tratamento de dados vai ser feito e como. Devendo, então, ficar claro no texto legal que os moradores não serão identificados.

Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete do secretário de Estado Jorge Seguro Sanches remeteu esclarecimentos para mais tarde.

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