Amigos, até que a morte nos separe!

Mais do que usarmos a longevidade e a idade como pedras de toque das nossas amizades, devemos começar a olhar para elas sobretudo como uma consequência da nossa circunstância

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Kimson Doan/Unsplash

Quando se fala na longevidade ou na durabilidade das amizades existem, normalmente, duas barricadas na discussão. Numa delas, estão os que defendem que os verdadeiros amigos são para a vida, na outra os que fazem da expressão “os amigos são para as ocasiões” um mantra. Naturalmente, os primeiros desprezam o conceito de “amigos descartáveis”, enquanto os segundos vivem relativamente bem com isso. Para facilitar a referência a cada um destes grupos ao longo deste texto, designar-se-ão os primeiros por “compadres” e os segundos por “amigalhaços”.

Os compadres são geralmente aquelas pessoas que acham que por um dia terem feito um castelo de areia monumental na caixa de areia do jardim de infância, firmaram, nesse momento, um pacto de inseparabilidade para a vida. São geralmente estes que acreditam piamente nas dívidas de gratidão, que, por recorrência, acabam por à data da morte de um dos compadres nunca estar saldadas. É difícil não encontrar um compadre nos sectores mais conservadores da sociedade e são, regra geral, estes os testas de ferro em negócios duvidosos, os apontados como sendo os melhores candidatos nos concursos públicos e, melhor ainda, os padrinhos dos filhos.

Os amigalhaços, por outro lado, não ligam muito à antiguidade de uma amizade, achando que esta, por outro lado, é tanto melhor quanto maior for o proveito que o amigo, no presente e num futuro próximo, for capaz de proporcionar. Face a isto somos rapidamente levados a considerar que estamos na presença de oportunistas. A análise é pertinente, mas pela forma como mantêm cativos das dívidas de gratidão os amigos, não poderíamos apontar o mesmo defeito a alguns compadres? E, por outro lado, não poderemos alegar que no fundo esta atitude é tão pura e simplesmente o reflexo do espírito individualista que tão bem carateriza o homem moderno ocidental? Seja como for, cruzamo-nos com amigalhaços todos os dias e não é por isso que os repelimos. Pelo contrário, a sua presença é, embora normalmente fugaz, ansiada e desejada.

Naturalmente, compadres e amigalhaços convivem muitas vezes no mesmo espaço e, ainda mais vezes, partilham os mesmos interesses. No entanto, a verdade é que cada um destes enfrenta, a seu turno, diferentes problemas. Os compadres criam grandes expectativas e facilmente se desiludem uns com os outros chegando mesmo a criar, em alguns casos, rancores de morte. Os amigalhaços preferem evitar criar relações mais profundas de amizade e companheirismo a defrontarem-se sequer com essa hipótese.

Posto isto, deves estar neste momento a pensar quantos compadres e amigalhaços tens como amigos e até, se calhar, em que categoria te encontras. Se for esse o caso, rogo que não leves muito a sério esse exercício. Não só porque nestes assuntos não há dicotomias capazes de abarcar a complexidade das relações humanas, mas também porque aquilo que é de facto importante é que mais do que usarmos a longevidade e a idade como pedras de toque das nossas amizades comecemos a olhar para elas sobretudo como uma consequência da nossa circunstância. Ou seja, que os nossos bons amigos são-no quando o resultado da intersecção dos nossos interesses, valores e motivações com os deles, numa dada circunstância, é suficientemente grande para constituir um foco de união e amizade.

Se esse foco persistir sempre, mesmo que as circunstâncias se alterem, então a amizade dura uma vida inteira; se não, a amizade pode ser passageira ou efémera, e não há nisso mal nenhum. Desta forma, não te parecerá estranho o facto de o teu melhor amigo da infância já não ser sequer uma referência para convidar para um copo ao fim do dia e, por outro lado, o colega do trabalho te pareça o tipo mais formidável deste mundo, tanto até que adorarias tê-lo em tua casa todas as sextas-feiras.

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