Portugal e o caso Skripal

O nosso Governo esteve bem ao manifestar autonomia e em procurar veicular para fora a imagem de que giza políticas independentes.

O ataque em solo britânico com gás neurotóxico (“Novichok”, asseveram os ingleses) ao ex-espião russo Serguei Skripal e à sua filha Youlia abriu um foco de instabilidade nas relações diplomáticas com a Rússia como já não se via desde os tempos mais críticos da Guerra Fria. E isto porque, primeiro, os chefes de Estado e de governo da União Europeia (EU) decidiram chamar o respetivo embaixador em Moscovo “para consultas”, o alemão Markus Ederer, depois, por pressão da primeira-ministra britânica, Theresa May, decidiram prosseguir no castigo diplomático a Putin mas, desta feita, em coordenação com os EUA. A história é sobejamente conhecida, pois muitos ainda se lembram de que a expulsão de diplomatas russos era useira e vezeira nos tempos anteriores à queda do Muro.

Parece-me supérfluo enfatizar que a diplomacia tem como função a representação e defesa dos interesses de um Estado, na ordem externa, e, em consequência disso, o desenvolvimento de um conjunto de práticas, de costumes, de regras e de entendimentos, muitas vezes, até, pertencentes ao domínio da metáfora, quando não mesmo ao domínio do não-dito. Por isso, o recurso à expulsão pura e dura de diplomatas, para mais sem provas claras e isentas de comportamentos conspiratórios por parte do país que representam, nada resolve, criando nas pessoas, em geral, a ideia de que se trata de mera gesticulação e de pura cosmética política, a fim de maquilhar “fake news”, notícias falsas surgidas nas chamadas redes sociais e nos grandes meios de comunicação de massa.

Referindo agora em concreto o nosso país, como entender a posição de “tomar boa nota” do Ministério dos Negócios Estrangeiros e a “chamada” a Lisboa do embaixador português em Moscovo? A posição de Portugal é de reserva para, assim, não hostilizar Moscovo e, ao mesmo tempo, evitar a expulsão de um diplomata português, caso Lisboa venha a seguir a linha da UE. Não deixa de ser curioso de notar que se amiudadas vezes alinha com os seus parceiros comunitários, noutras ocasiões procura demonstrar ter uma política externa autónoma.

Este serpear diplomático é certamente vantajoso para nós ainda que possa levar algumas chancelarias a não nos darem credibilidade por ausência de coerência e rigor. De qualquer forma, e independentemente do que os outros pensam, o nosso Governo esteve bem ao manifestar autonomia e em procurar veicular para fora a imagem de que giza políticas independentes.

Vistas bem as coisas, no fundo, as Necessidades pensaram, como lhes compete aliás, em termos diplomáticos (e pragmáticos): o que é que se perde em expulsar um diplomata russo? Ver-se constrangido em nomear um substituto imediatamente, em comissão de serviço, e em ter de abrir vaga, lá para Novembro ou Dezembro, num concurso extraordinário, já que o ordinário foi recentemente dado por encerrado. É uma maçada e não traz quaisquer benefícios para o país! E, ao invés, o que é que se ganha? Um reconhecimento russo que nos poderá vir a ser útil em caso de troca de candidaturas a organismos internacionais.

Estas trocas, que nunca transpiram para a opinião pública, poderão revelar-se altamente vantajosas para Portugal. Em termos de política internacional e de diplomacia, países como o nosso devem seguir sempre aquele prudente conselho de Salomão que ensina a dar sete voltas na língua antes de se falar.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Sugerir correcção
Comentar