“O meu desejo é ver Rui Rio como primeiro-ministro"

Luís Montenegro, ex-líder parlamentar do PSD, deixa o Parlamento nesta quinta-feira ao fim de 16 anos.

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Luís Montenegro surpreendeu tudo e todos quando, no Concresso do PSD de Fevereiro, anunciou a sua saída do Parlamento Miguel Manso

O ex-líder parlamentar do PSD Luís Montenegro assegurou que o seu desejo é que o presidente do partido seja primeiro-ministro em 2019, considerando que é "um erro colossal" colocar a hipótese de Rui Rio não terminar o mandato. Em entrevista à Lusa um dia antes de deixar o Parlamento, Montenegro avisa que "só no PCP e BE é que pensam todos da mesma maneira" e deixa várias propostas que gostaria que o PSD colocasse na sua agenda política, como um referendo à eutanásia, o regresso ao tema da natalidade e a revisão da Constituição.

"Toda a normalidade vai imperar na vida interna do PSD, agora não vamos pensar todos a mesma coisa sobre todas as matérias, isso só no PCP é que acontece", afirmou Luís Montenegro.

O ex-líder parlamentar salienta o carácter plural do PSD, onde "há diferenças de opiniões", mas onde estão todos concentrados no mesmo objectivo: "Criar condições para ver o nosso líder, o nosso projecto, o nosso partido, ganhar as eleições."

"O meu desejo é ver o Dr. Rui Rio primeiro-ministro dentro de um ano e meio", afirmou.

Questionado se pode vir a ser um “rioísta”, Montenegro preferiu definir-se como um "PSDista desde sempre".

"Estive sempre ao lado dos líderes, mesmo com aqueles com os quais concordava menos (...) Nunca deixei de ser leal e solidário com todas as lideranças e é isso que farei com esta, não há nenhuma razão para não ser assim, nenhuma mesmo", sublinhou.

Depois de, no último Congresso que se realizou em meados de Fevereiro, ter manifestado abertura para se candidatar à liderança se o PSD precisar de si no futuro, Montenegro considera que essa necessidade não se irá manifestar antes de 2019.

"Não, o Dr. Rui Rio vai completar o seu mandato, vai afirmar a sua liderança projectando-a nos momentos eleitorais, quer as regionais da Madeira – onde a responsabilidade é mais da estrutura regional – quer, sobretudo, nas europeias e nas legislativas", afirmou.

Dizendo que seria "um erro colossal colocar sequer a hipótese" de Rio não chegar às eleições, Montenegro defendeu que o PSD tem "razões fundadas" para se constituir como uma alternativa.

Por um lado, o antigo líder parlamentar do PSD defende que a actual governação tem "grandes erros e omissões", como a ausência de reformas, sustentando que o país continua a viver da "herança do percurso económico feito entre 2013 e 2015".

"Os socialistas, os comunistas, os bloquistas deitam muitos foguetes, fazem muita festa, mas no final destes quatro anos vamos concluir que esta foi uma legislatura perdida, do deixa andar, de gestão diária do dossiers políticos e da sobrevivência dos três partidos que compõem a maioria parlamentar", criticou.

Sobre os temas em que o PSD poderá afirmar as suas diferenças em relação ao PS, Luís Montenegro apontou as questões demográficas – salientando que os resultados da natalidade já pioraram com o actual Governo –, o envelhecimento activo ou uma maior adequação às necessidades do mercado de trabalho, quer pela qualificação quer pela atracção de mão-de-obra imigrante.

"O Dr. Rui Rio terá agora de começar a afirmar as ideias que lançou na campanha interna. Não se pode antecipar a campanha eleitoral mas também não se pode deixar um vazio programático que possa ser ocupado por outro partido", avisou.

Tal como já defendeu numa reunião do grupo parlamentar, o ainda deputado gostaria de ver a bancada do PSD propor um referendo à eutanásia e uma comissão de inquérito ao caso das alegadas adopções ilegais envolvendo a Igreja Universal do Reino de Deus.

Apesar de as matérias de reforma do sistema político terem feito sempre parte das suas prioridades, Montenegro reconhece que neste momento não há condições para avançar devido à "intransigência do PS" mas gostaria que o PSD colocasse em cima da mesa, no quadro do diálogo com o Governo e os socialistas, o tema da revisão constitucional.

"Não faria disso uma prioridade, mas, numa atitude prospectiva de médio e longo prazo, mais tarde ou mais cedo teremos de esbarrar nessa discussão. Quanto mais tempo a adiarmos, pior para o país", alertou.

Deputado deixa o Parlamento "como se lá não fosse voltar"

Ao fim de 16 anos, Luís Montenegro irá despedir-se na quinta-feira do Parlamento “como se lá não fosse voltar” e vai limitar a sua participação política aos media e a algum convite que lhe seja feito por estruturas partidárias.

"Despedir-me-ei do Parlamento como se lá não fosse voltar porque essa possibilidade existe (...) Nestes 16 anos, não houve sítio nenhum onde tivesse passado mais tempo do que no Palácio de São Bento", assegurou o ex-líder parlamentar.

Com participações semanais na TSF e na TVI24 e, a partir da próxima semana, no Expresso, garante que vai usar a sua voz na comunicação social para "contribuir para que o PSD possa afirmar a sua alternativa política e vencer as terceiras eleições consecutivas para a Assembleia da República".

Fora dos órgãos nacionais e do Parlamento, Luís Montenegro diz que estará "naturalmente disponível" para cumprir as suas obrigações como militante de base, mas recusa ter um plano de fazer qualquer roteiro pelo país, até porque foi o que fez nos últimos anos "com muito gosto".

"Se acaso nessa circunstância de militante de base me chamarem, é natural que possa corresponder, mas não tenho nada previsto nesse sentido. Este é um tempo em que esse papel cabe aos actuais líderes, o líder do partido e o líder parlamentar", afirmou.

5 de Abril, 16 anos

No Congresso de Fevereiro, Montenegro surpreendeu quase todos ao anunciar que deixaria o Parlamento a 5 de Abril, data simbólica escolhida por nesse dia passarem 16 anos desde que tomou posse pela primeira vez como deputado, em 2002, durante a maioria PSD/CDS liderada por Durão Barroso.

Para assinalar a data e como quinta-feira é dia de debate quinzenal não poderá fazer uma declaração de despedida em plenário – como fez recentemente o ex-deputado do CDS Filipe Lobo d'Ávila –, mas foi organizado um jantar para hoje à noite em Lisboa que conta já com mais de 140 confirmações, entre deputados do PSD da actual e anteriores legislaturas e colaboradores do grupo parlamentar que trabalharam com Montenegro nos últimos 16 anos.

O presidente do PSD, Rui Rio, foi convidado para o jantar, mas, até ao final do dia de terça-feira, não havia ainda a confirmação da sua presença.

Sempre eleito por Aveiro (a sua posição na lista foi variando até chegar a número um em 2015), a primeira intervenção de que guarda memória foi sobre o encerramento da empresa C&J Clarks em Castelo de Paiva, que mereceu pedidos de esclarecimento de Francisco Louçã, pelo BE, e de Vítor Ramalho, pelo PS.

Se dos líderes parlamentares a que pertenceu à direcção (Pedro Santana Lopes e Miguel Macedo) prefere não destacar nenhum, Montenegro aponta Luís Marques Guedes como o presidente de bancada que acompanhou praticamente todo o seu percurso na Assembleia da República e a quem descreve como "parlamentar de mão cheia".

Nos outros partidos, é o ainda líder parlamentar do CDS, Nuno Magalhães, quem merece destaque, por ter sido aquele com quem trabalhou mais de perto durante o período da troika, numa legislatura onde foram os únicos presidentes de bancada que estiveram do início ao fim e com quem "pela primeira vez" uma coligação pós-eleitoral durou quatro anos.

"Como ele costuma dizer com muita graça, sempre combinámos as concordâncias e as discordâncias entre nós", afirmou.

O período em que liderava a bancada do PSD com o país sob intervenção externa é precisamente aquele que aponta como o mais difícil dos seus anos parlamentares.

"Foi muito difícil, sobretudo nos primeiros tempos, ter de assumir muitas medidas, sobretudo quando tínhamos a noção clara de que a responsabilidade não era nossa", afirmou, dizendo que "chegava a ser chocante, ainda hoje é", a forma como o PS "lavava as mãos de toda a austeridade por que o país passou".

Como momentos mais gratificantes, destaca a participação em mais de 60 ou 70 debates quinzenais e "o privilégio" de falar por duas vezes na sessão solene do 25 de Abril.

"E há muita gente que aponta como inesquecível o discurso que fiz no encerramento da discussão do programa de Governo chumbado pela 'geringonça'", disse. Nessa ocasião, a 10 de Abril de 2015, procurou desmontar a frase de António Costa de que palavra dada, seria palavra honrada e aponta que o actual primeiro-ministro é ainda "apanhado muitas vezes" devido a essa expressão.

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