PS insiste na entidade fiscalizadora dos políticos, apesar das dúvidas da “número dois”
Mesmo depois de a secretária-geral adjunta do PS ter manifestado dúvidas, o coordenador socialista na Comissão da Transparência defende a retirada ao Tribunal Constitucional da fiscalização das declarações de rendimentos. Hoje começa o tempo das decisões no Parlamento.
A Comissão da Transparência começa nesta terça-feira a discutir e a votar o pacote de propostas para alterar o sistema de controlo público dos políticos e altos cargos públicos e está quase tudo em aberto. Dois anos depois do início dos trabalhos desta comissão eventual, as opiniões dividem-se até dentro dos maiores partidos. Desde logo quanto à criação de uma estrutura administrativa para fiscalizar as declarações de rendimento e património, que hoje é competência do Tribunal Constitucional.
A questão mostra-se fracturante dentro do partido do Governo. Apesar de o PS ter apresentado uma proposta nesse sentido, a secretária-geral adjunta do PS, Ana Catarina Mendes, afirmou-se contra: “[Impor] polícias aos políticos é um mau princípio. Porque parte do princípio da suspeita sobre cada um dos políticos”, disse em entrevista ao PÚBLICO/Renascença. “Autoflagelos só diminuem a força dos partidos”, acrescentou.
No entanto, Pedro Delgado Alves, coordenador do PS naquela comissão eventual, desvaloriza as afirmações da "número dois" do partido, considerando que se tratou de “uma reacção a uma manchete do Diário de Notícias” cuja formulação afirma não corresponder à proposta, pois a Entidade da Transparência “não é nenhuma estrutura de polícia”. Ao jornal i o deputado lembra que há duas propostas em cima da mesa, uma do Bloco (a que Ana Catarina contestava na entrevista) e outra do PS. "As propostas diferem na composição e na competência", diz Delgado Alves, criticando os poderes que o BE quer dar à entidade, de tirar consequências das falhas e desconformidades das declarações.
Ao PÚBLICO, Pedro Delgado Alves explica que a ideia é aumentar os meios para fazer aquela fiscalização, hoje a cargo do Tribunal Constitucional, tanto mais que os projectos apresentados fazem aumentar, e muito, o número de pessoas que passam a estar sujeitas à obrigação de apresentar declarações de património e rendimentos. “Face a um número muito substancial de declarações, não só pelo alargamento do âmbito como em termos de conteúdo, faz sentido criar um centro de competências específico, a exemplo da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, que possa verificar cada um dos conteúdos”, justifica. Apesar de estar previsto um quadro de apenas três pessoas para essa entidade, o deputado entende que haverá um reforço de meios graças ao “quadro administrativo de apoio” que esse organismo deverá ter.
Embora a decisão sobre o modelo da Entidade não deva ser tomada hoje, é certo que o tema virá à baila logo no início dos trabalhos, pois o primeiro artigo a discutir é o objecto da lei do controlo público dos políticos e logo aí o Bloco de Esquerda, autor da proposta original, propõe que fique assegurada a criação da Entidade da Transparência. Mas Pedro Delgado Alves prevê que essa discussão seja adiada.
“Muito provavelmente essa norma não será votada amanhã”, afirma, ainda que seja a primeira do guião das votações. “O normal é que o objecto de uma lei só seja discutido no fim, quando se definir o que fica e o que não fica nessa lei”, justifica. Em qualquer caso, a divisão no seio do PS ficou à vista, num assunto que já tem o acordo de princípio do PSD, o que garante a sua aprovação.
Magistrados vão ser abrangidos
O que deverá ficar decidido nesta primeira ronda de votações é a inclusão de juízes e magistrados do Ministério Público no leque das personalidades abrangidas pela obrigação de apresentar as declarações de rendimentos, património e quotas de sociedades, pois tanto o PSD como o PS têm propostas nesse sentido.
E o alargamento não deverá ficar por aqui. O PS quer também incluir nesta lista os cargos executivos das freguesias com mais de dez mil eleitores e os membros de entidades supramunicipais e intermunicipais em regime de permanência, os dirigentes de segundo grau da administração pública (directa ou indirecta, regional e local) e ainda os consultores nomeados pelo Governo em processos de privatização e concessão de activos públicos.
O PSD quer também abranger o provedor de Justiça, os administradores de entidades públicas independentes e os gestores executivos de sociedades anónimas de capitais públicos e o CDS propõe a extensão do regime aos membros de gabinetes dos governos (central e regional) e dos autarcas, bem como a todos os consultores mandatados pelo Governo, mesmo que a título individual, que se ocupem de dossiers em que estejam em causa interesses públicos.
A exclusividade como regra para quem desempenha cargos políticos ou altos cargos públicos de natureza executiva será também debatida nesta reunião, sendo a grande novidade a proposta do PSD de abranger os autarcas de municípios com mais de dez mil eleitores.
N.R. Notícia revista, acrescentando-se a diferença entre as propostas do PS e do Bloco nesta matéria.