Quem paga o muro na fronteira com o México? O ambiente

Biólogos do Texas alertam para a interrupção de rotas migratórias e do acesso a alimentos para várias espécies animais com a construção do prometido muro fronteiriço de Donald Trump.

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Uma barreira na fronteira entre os EUA e o México REUTERS/Rick Wilking,REUTERS/Rick Wilking

A construção de um muro ao longo da fronteira dos EUA com o México – uma promessa eleitoral do Presidente norte-americano Donald Trump para travar a imigração ilegal – pode ter consequências negativas para o ambiente. Se forem erguidas mais barreiras, sobretudo em zonas ambientalmente protegidas, haverá uma “destruição e fragmentação dos habitats e uma degradação dos ecossistemas”. O alerta é de um grupo de biólogos do estado norte-americano do Texas, numa carta publicada esta segunda-feira na revista científica Frontiers  of  Ecology  and  the  Environment.

Várias espécies animais – como os ocelotes, os bisontes americanos, os coiotes ou os armadilhos Dasypus novemcinctus – estarão particularmente vulneráveis, já que a sua alimentação, reprodução e sobrevivência depende da sua mobilidade nestas áreas. Para além de ficarem interrompidas as habituais rotas migratórias, bem como o acesso a alimentos e parceiros reprodutivos, há espécies que correm o risco de não conseguir escapar a eventos naturais extremos como inundações ou vagas de calor, como nota a National Geographic.

A estrutura também pode colocar em causa espécies de árvores como o carvalho e os zimbreiros, bem como outras plantas. As espécies raras de flores Physaria thamnophila e de cactos Coryphantha ramillosa crescem precisamente nos sítios que estão na rota do planeado muro.

O cenário mais extremo é de uma alteração "irreversível" da paisagem natural da região fronteiriça, o que já levou o Congresso norte-americano a admitir pelo menos uma excepção: o Refúgio Nacional de Vida Selvagem de Santa Ana, no Texas, por exemplo, não será atravessado pelo muro, salvaguardando mais de 400 espécies de aves e animais terrestres.

Mas há outras áreas ricas em biodiversidade em relação às quais não foram dadas garantias até ao momento. O Congresso, aliás, aprovou financiamento para a construção de 53 quilómetros de muro em áreas protegidas como o Parque Estadual de Bentsen-Vale do Rio Grande, no Texas, onde fica o Centro Nacional de Borboletas, que alberga mais de 200 mil borboletas de cerca de cem espécies, algumas delas em perigo de extinção. Outra área ameaçada na mesma região é a Reserva Natural do Baixo Rio Grande.

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A borboleta Heliconius charithonia, uma das espécies que existem na zona protegida REUTERS/Mike Blake

“Até agora, o muro tem atravessado ou cidades, ou desertos. Aqui estamos a falar do Rio Grande, é totalmente diferente”, disse a bióloga Norma Fowler, uma das autoras da carta, em comunicado, argumentando que a perda de biodiversidade também terá consequências económicas ao prejudicar o turismo ambiental. “Eu e outros biólogos do Texas estamos muito preocupados com os impactos que isto terá na nossa valiosa herança natural”.

A carta é também assinada por outro investigador da Universidade do Texas em Austin, Tim Keitt, e cita diversos cientistas, fazendo ainda uma análise de estudos anteriormente publicados sobre o impacto ambiental de estruturas fronteiriças semelhantes noutros países. O documento propõe alternativas ambientalmente neutras, como a construção de muros que permitam a passagem de animais ou a aposta num sistema de sensores electrónicos que dispense uma barreira física.

A famosa promessa eleitoral de Trump

Os mais de 3200 quilómetros de fronteira que separam EUA e México já estavam parcialmente vedados antes da eleição de Trump, para além de a área contar ainda com barreiras naturais, como cadeias montanhosas e rios, que impedem a sua travessia. No entanto, a construção de novos segmentos do muro, com vista ao combate à imigração ilegal e ao tráfico de droga, tornou-se uma das principais promessas eleitorais de Trump em 2016, bem como uma das mais polémicas. Para além da eficácia da medida, questiona-se o seu custo, com Washington a sugerir que o México pagará uma empreitada que poderá custar 25 mil milhões de dólares, segundo o Washington Post. O México, no entanto, recusa liminarmente pagar o projecto.

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Um agente vigia a fronteira, perto do Rio Grande REUTERS/Carlos Barria

Ainda neste domingo, Trump reiterou a necessidade de erguer o muro, afirmando que “o México está a fazer muito pouco, ou nada, para impedir as pessoas de passar pela nossa fronteira a Sul para os Estados Unidos”.

Outras fronteiras com impacto no ambiente

Ainda que não esteja bem documentada a forma como estruturas do género afectam a vida selvagem, existem alguns casos em que o impacto das fronteiras políticas é visível no ambiente. Ou, pelo menos, em que as diferenças na gestão de recursos num e noutro lado da barreira se tornam nítidas. Na fronteira entre o Haiti e a República Dominicana, por exemplo, o contraste é gritante: o lado dominicano é mais verde do que o haitiano, com elevados níveis de desflorestação – uma herança de séculos de exploração abusiva de recursos, agravada pela instabilidade política e uma crise socioeconómica crónica, como se explica num documento da Universidade Estadual da Carolina do Norte, nos EUA (apesar de também haver quem desdramatize o cenário.)

Nogales, México, e Nogales, Arizona Mike Blake
Nogales, México, e Nogales, Arizona Mike Blake
Sunland Park, EUA José Luis González
Felicity, Califórnia Mike Blake
Douglas, Arizona Mike Blake
Tijuana, México Jorge Duenes
Tijuana, México Jorge Duenes
Friendship Park, San Diego, Califórnia Jorge Duenes
San Diego, Califórnia Jorge Duenes
Nogales, México David Alire Garcia
Anapra, Ciudad Juárez, México José Luis González
Anapra, Ciudad Juárez, México José Luis González
Sunland Park, EUA José Luis González
San Ysidro, Califórnia Mike Blake
Anapra, Ciudad Juárez, México José Luis González
Tijuana, México Jorge Duenes
Ciudad Juárez, México José Luis González
Ciudad Juárez, México José Luis González
Iniciativo Hugs, No Walls, Rio Bravo José Luis González
Borrando la Frontera, projecto artístico de Ana Teresa Fernandez em Mexicali, México Sandy Huffaker
Douglas, Arizona Sam Mircovich
Tijuana, México Edgard Garrido
San Diego, Califórnia Mike Blake
Ciudad Juárez, México José Luis González
Jacumba, Califórnia Mike Blake
Jacumba, Califórnia Mike Blake
San Ysidro, Califórnia Mike Blake
Sunland Park, EUA José Luis González
El Paso, EUA Tomas Bravo
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Nogales, México, e Nogales, Arizona Mike Blake

Na América do Sul, os diferentes ritmos da desflorestação da Amazónia no Brasil e nos países vizinhos é visível nas fronteiras, como indica um estudo do MIT, da London  School  of  Economics e da Fundação Getulio Vargas publicado em Fevereiro de 2017. A causa está no desequilíbrio entre as políticas de protecção de vários países como a Bolívia, o Peru, a Colômbia ou a Venezuela, onde está 35% da floresta amazónica. “Como as alterações climáticas não conhecem fronteiras e afectam humanos por todo o lado, a preservação das florestas tropicais é um prioridade política internacional”, defendem os autores do estudo.

Já na fronteira entre as duas Coreias, a zona desmilitarizada sem presença humana tornou-se num paraíso para a vida selvagem: milhares de espécies de animais prosperam ao longo da faixa, uma “terra de ninguém” que se estende por 250 quilómetros de comprimento e quatro de largura.

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A fronteira entre o Haiti (à esquerda) e a República Dominicana (à direita) Wikicommons
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