Le Pen e Melénchon apupados na homenagem à sobrevivente do Holocausto morta em Paris

A organização da marcha tornou claro que “os extremos, onde os anti-semitas estão sobrerepresentados” não estavam convidados.

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MArine Le Pen chegou a ser escoltada para fora da marcha, mas completou-a
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MArine Le Pen chegou a ser escoltada para fora da marcha, mas completou-a LUSA/YOAN VALAT
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A marcha silenciosa de homenagem a Mireille Knoll, a octogenária de origem judaica que sobreviveu ao Holocausto nazi e foi assassinada em Paris, num crime com contornos anti-semitas, ficou marcada por desacatos quando ao local chegaram Jean-Luc Melénchon, líder do La France Insoumise, e Marine Le Pen, presidente da Frente Nacional, dois partidos da extrema-esquerda e da extrema-direita, respectivamente. A organização da iniciativa, baptizada como Marcha Branca, na capital francesa, considerava que nenhum dos dois tinha sido convidado. Jean-Luc Melénchon acabou por abandonar a marcha, ao contrário de Marine Le Pen, que a fez até ao fim, apesar dos apupos.

Cerca de 2000 pessoas, entre as quais outros responsáveis políticos franceses, participaram nesse acto de homenagem convocado pelo Conselho Representativo das Instituições Judaicas em França, conhecido como Crif. “Hoje, não é um assunto de judeus, é um assunto de franceses”, disse Francis Kalifat, presidente do Crif, no arranque da marcha, citado pelo Le Parisien. Porém, como se viu, nem todos foram bem-vindos. A direcção do Crif quis deixar claro que “os extremos, onde os anti-semitas estão sobre-representados” não estavam convidados para a marcha.

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Tanto Jean-Luc Melénchon quanto Marine Le Pen tinham feito saber que pretendiam participar. Melénchon foi o primeiro a chegar, acompanhado de uma comitiva do partido, mas saiu pouco depois, escoltado por forças policiais, na sequência de apupos que lhe foram dirigidos por outras pessoas na marcha que gritavam: “Insubmissos fora!”

Marine Le Pen chegou pouco depois de Melénchon, com alguns membros da Frente Nacional, o que gerou tensões. O cortejo chegou a estar bloqueado pelos manifestantes, que gritavam “Fascista, não te queremos aqui” e apelidaram Le Pen de "nazi". A presidente da Frente Nacional teve de se refugiar numa rua adjacente, mas completou a marcha, algum tempo depois do resto da comitiva, em silêncio. “Há muitos anos que denunciamos e lutamos contra o anti-semitismo islamista, e por consequência, estamos no nosso lugar aqui”, tentou defender-se Marine Le Pen, em declarações à BFM-TV. Condenou as “operações políticas” do Crif, que “só se representam a si mesmos”, como descreveu, e disse que não era “sensível a intimidações”.

A posição do Crif gerou alguma polémica, especialmente porque Daniel Knoll, um dos filhos da vítima, pediu antes da marcha que “toda a gente, sem excepção” participasse na marcha, cita o Liberátion. Acrescentou ainda: “O Crif faz política, eu abro o meu coração.”

A Frente Nacional tem tentado distanciar-se da imagem de partido extremista, legado de Jean-Marie Le Pen, antigo líder do partido e pai de Marine. Em 2015, Marine Le Pen expulsou o pai do partido que ele próprio fundou devido a declarações anti-semitas. Jean-Marie, conhecido pelas suas tiradas neste sentido, tinha dito que as câmaras de gás tinham sido um mero “detalhe” na II Guerra Mundial

“Mireille Knoll, não nos esqueceremos”

A Marcha Branca, como ficou conhecida, não registou mais desacatos. Foram distribuídos crachás com a fotografia de Mireille Knoll, acompanhados pela frase “Mireille Knoll, não nos esqueceremos” e rosas brancas. A marcha partiu da Place de La Nation, no 11.º bairro da capital francesa, acabou em frente à casa onde a vítima vivia e onde foi encontrada morta. Aí, estavam retratos da vítima rodeados de flores. "Je suis Mireille Knoll" ("Eu sou Mireille Knoll") lia-se num dos cartazes, adaptando a frase que correu mundo depois do ataque mortal do Daesh à redacção do jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris.

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Outras figuras políticas também participaram, casos de Laurent Waquiez, presidente do partido Les Républicains, Anne Hidalgo, presidente da Câmara de Paris, Pierre Laurent do Partido Comunista e Gerard Collomb, ministro do Interior, são apenas alguns nomes. 

“Tive de vir! Era uma necessidade. Em França, matam-se judeus porque se pensa que têm dinheiro. Isso é uma estupidez monumental. É preciso que sejamos muitos para dizer basta a essas mortes anti-semitas. De todas as vezes que acontece, o sentimento de horror é o mesmo”, disse Jean-Pierre, 81 anos, ao diário francês Le Parisien. Escreve o jornal que o homem usava uma estrela amarela no casaco: “Um presente do Estado francês em 1942, que encontrei entre os pertences do meu pai. Trago-a a todas as manifestações”, contou.

Mireille Knoll foi encontrada morta, em casa, com marcas de 11 facadas e parcialmente carbonizada. Os investigadores acreditam que se tratou de uma tentativa de roubo que acabou mal, por razões que ainda não são claras. Dois homens foram interrogados e detidos por “homicídio voluntário” de carácter anti-semita.

A octogenária era uma sobrevivente da rusga de Vel' d'Hiv (Velódromo de Inverno de Paris, ou La rafle du Vélodrome d'Hiver, em francês), executada pelas autoridades policiais em Julho de 1942 e que serviu para aprisionar milhares de judeus com vista à sua deportação para os campos de concentração. É tido como um episódio da história da Segunda Guerra Mundial revelador da colaboração francesa com o regime nazi

A comunidade judaica em França é uma das mais importantes da Europa. Em termos estatísticos, são um dos grupos que mais sofrem crimes de ódio. Apesar de serem uma minoria e representarem menos de 1% da população, são alvo de um terço dos crimes de ódio investigados em França, escreve o Libération.

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