Gelo fino

Operação Entebbe quer ser fiel à complexidade geopolítica do episódio que narra, mas não corre riscos.

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Operação Entebbe: fiel, sem riscos, à complexidade geopolítica
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Os mais velhos lembrar-se-ão, nos anos 1970, da dimensão mediática do sequestro de um avião da Air France com destino a Paris por um grupo de terroristas palestinianos e alemães, e da missão que o exército israelita enviou ao Uganda para resgatar os reféns. O caso foi alvo de dois telefilmes americanos concorrentes que estrearam em sala entre nós (com direito a revista dos espectadores à entrada das salas): O Raid Relâmpago dos Comandos, de Irvin Kershner, com Peter Finch e Charles Bronson, e Vitória em Entebbe, de Marvin Chomsky, com Kirk Douglas, Burt Lancaster e Elizabeth Taylor.

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Nas mãos do brasileiro José Padilha (Tropa de Elite, Narcos) e do dramaturgo britânico Gregory Burke (autor da peça The Black Watch e do guião do excelente ‘71), a dimensão política deste episódio verídico ganha outros contornos. Mais do que um filme de acção sobre a missão militar de resgate, o que Padilha e Burke encenam é um enorme tabuleiro de xadrez político com ramificações imprevisíveis, centrado em dois pares de personagens. De um lado, as dúvidas dos dois terroristas alemães oriundos da radicalização Baader-Meinhof dos anos 1970, Brigitte Kuhlmann e Wilfried Böse (Rosamund Pike e Daniel Brühl), cujo idealismo intelectual entra em confronto com a realidade da violência. Do outro, o duelo político entre Shimon Peres, então ministro da Defesa (Eddie Marsan), e Yitzhak Rabin, então primeiro-ministro (Lior Ashkenazi), à volta da percepção pública da posição israelita, por princípio da não-negociação com terroristas.

É nessa contextualização — diríamos mesmo “complexificação” — do evento que Operação Entebbe quer estar. Primeiro, ao colocar nos cartões de abertura que “para uns os palestinianos eram lutadores pela liberdade, para outros terroristas”; depois, ao apontar como nada no sequestro do voo da Air France se consegue resumir a uma simples dimensão de “bons contra maus”. Mas, ironicamente, essa dimensão política implica aqui também reduzir a espessura narrativa e de personagens, sem que Padilha empreste tensão ou força ao filme, mantendo-o num lume brando que nunca chega a ferver, fascinante pelo olhar por trás da cortina mas insustentado pelo resto. A melhor ideia que por aqui passa é a de entrecortar o resgate com a performance pela Batsheva Dance Company de uma coreografia de Ohad Naharin baseada num tradicional hebraico, mas a energia e a tensão que essas cenas sugerem contrasta com a passividade do filme. Operação Entebbe é consciente do gelo fino sobre o qual patina, mas atravessa-o com tanta patinha de lã para não o quebrar que acaba por nunca correr riscos.

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