Direito à Concorrência

A prioridade da Autoridade da Concorrência é o combate a cartéis. Sendo a prática mais lesiva da concorrência, compreende-se que seja também a infracção mais fortemente sancionada.

No ano em que se assinalam 15 anos desde a criação da Autoridade da Concorrência em Portugal é oportuno revisitar o conceito de concorrência, a sua política e o direito dos cidadãos a essa.

A concorrência é um processo através do qual as empresas estão sob pressão constante para oferecer os melhores produtos ao melhor preço possível, porque de outra maneira perderiam clientes para outra empresa. Os principais beneficiários desta tensão são os consumidores. Mas são-no também as empresas que competem pelo mérito e, numa perspectiva mais ampla, o país em que os mercados actuam desta forma. A concorrência leva a maior inovação, a maior eficiência na alocação de recursos, a menor preço e a maior qualidade. 

A concorrência é incompatível com acordos entre empresas, isto é acordos que limitem a independência da sua estratégia comercial. Combinar preços entre empresas concorrentes, repartir o mercado entre si, por tipo de clientes ou por zonas geográficas: tudo isto é ilegal porque priva os consumidores de propostas alternativas em preço ou qualidade.

Por seu turno, a política de concorrência consubstancia-se na aplicação de regras que permitam a livre concorrência entre empresas. A política de concorrência assume duas vertentes: a da defesa da concorrência; e a da sua promoção. A primeira vertente materializa-se em boa parte no sancionamento de práticas restritivas da concorrência: colusão ou cartéis entre empresas e abuso de posição dominante (quando uma empresa principal em determinado mercado tenta afastar a concorrência). Inclui também a análise de fusões ou concentrações entre empresas para que daí não resulte um menor nível de concorrência, incluindo barreiras significativas à entrada no mercado em questão. O objectivo não é evitar que as empresas cresçam, mas sim que possam remover concorrentes do mercado, em detrimento dos consumidores. O objectivo também não é defender campeões nacionais, mas sim permitir que o consumidor tenha acesso aos produtos que lhe são mais convenientes.

A segunda vertente, a promoção da concorrência, concretiza-se através de esforços institucionais e legislativos que eliminem a protecção dos mercados, expondo-os à concorrência, e aplica-se quer a empresas quer a profissões.

Daqui decorre o direito dos cidadãos à concorrência. Direito a maior escolha, a maior qualidade e a menor preço. Um país onde a concorrência existe livre de entraves dá poder aos consumidores, que o podem exercer junto de empresas, grandes e pequenas. Através da escolha de um produto em vez de outro, o consumidor exprime o seu voto favorável ao menor preço ou a maior qualidade. Isto leva a que todas as empresas desse mercado tenham de ouvir o consumidor e sejam incentivadas a melhorar para se manterem viáveis. É por esta razão que temos regras contra cartéis, para que as empresas não possam combinar entre si preços e não possam dividir entre si clientes.

A prossecução de uma política de concorrência é essencial para reforçar a robustez das empresas e a sua competitividade a nível mundial. É essencial também para assegurar que o próprio território nacional é atractivo para o investimento, seja este de que nacionalidade for. Menores barreiras à concorrência permitem mais investimento, que por seu turno tende a conduzir a maior emprego e maior prosperidade. A conjunção de maior inovação, maior possibilidade de escolha, menor preço e maior qualidade é um direito que os cidadãos devem preservar e apoiar. 

A Autoridade da Concorrência (AdC) é a entidade, única no País, que assegura o cumprimento da lei da concorrência em todos os sectores da economia, sem excepção. A Autoridade insere-se num sistema de autoridades de concorrência europeias que garantem o cumprimento dos artigos 101º e 102º do Tratado do Funcionamento da União Europeia. Dentro desta missão, a prioridade da Autoridade da Concorrência é o combate a cartéis. Sendo a prática mais lesiva da concorrência, compreende-se que seja também a infracção mais fortemente sancionada. As sanções previstas na lei permitem atingir 10% do volume de negócios anual de uma empresa. 

No âmbito desta prioridade a Autoridade tem em curso iniciativas com resultados expressivos em termos de investigação. Em primeiro lugar, o reforço da actividade de investigação é objectivamente significativo, tendo sido, em 2017, efectuadas diligências de busca e apreensão em cerca de 8 vezes mais processos do que em média histórica desde 2003. Este reforço deve ser encarado como uma mudança estrutural na AdC. Entre os seus colaboradores, não existem dúvidas quanto à determinação em afirmar a defesa da concorrência a ritmo sustentado.

A campanha da AdC de combate ao conluio na contratação pública atingiu já 1400 pessoas envolvidas em procedimentos de contratação ou no seu controlo. O número e a qualidade das denúncias com indícios fortes sobre infracções à concorrência recebidas neste âmbito permitem uma investigação mais atempada, evitando assim maior dano ao Estado e contribuintes, contribuindo colateralmente para a redução da despesa pública.

A iniciativa da AdC de esclarecimento junto das associações de empresas, sem excepção de sectores, permite induzir um maior nível de cumprimento, mas também um maior número de pedidos de clemência perante uma infracção detectada internamente. Precisamente, o instituto da clemência, em vigor na vasta maioria dos países do mundo, permite à AdC detectar cartéis que por natureza são secretos e com evidência deliberadamente minimizada pelas partes. Sem a confissão de empresas participantes, a missão do combate à principal prática lesiva da concorrência seria expressivamente mais difícil.

Num contexto de crescente digitalização da economia, a AdC reforçou também a sua capacidade de investigação de modo a detectar a utilização de tecnologias que permitam ou facilitem comportamentos anticoncorrenciais, nomeadamente a cartelização e manutenção de preços de revenda. É também nossa preocupação detectar barreiras tecnológicas que possam impedir a entrada de novos concorrentes ou falsear a concorrência em diferentes mercados.

Com o risco de detecção claramente ampliado, espera-se que as empresas ponham definitivamente o cumprimento da lei da concorrência entre as suas prioridades. Estarão, assim, a contribuir para o seu próprio sucesso de longo prazo, competindo pelo mérito e não através de práticas ilegais. Estarão a defender a reputação da sua empresa. Estarão a criar valor para os accionistas. Estarão a contribuir para a robustez da economia do país em que desenvolvem actividade. Estarão a promover o bem-estar dos cidadãos. Por tudo isto, vale a pena investir na Concorrência.

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