Défice de 2017 coloca excedente no horizonte da legislatura

Com o défice sem CGD já nos 0,9%, basta ao Executivo seguir o ritmo definido no último Programa de Estabilidade para chegar a um excedente em 2019. Mas à esquerda, a pressão aumenta.

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LUSA/ANTONIO COTRIM

Se o Governo mantiver durante este ano e o próximo o mesmo ritmo de redução do défice que tinha planeado no seu último Programa de Estabilidade, poderá apontar no Orçamento do Estado (OE) para 2019, o último desta legislatura, para um excedente orçamental. Esta é uma das consequências da descida mais forte do que o previsto registada no défice público de 2017, colocando o Executivo, mais uma vez, no meio das pressões contraditórias de Bruxelas, que quer ir mais longe, e dos partidos à sua esquerda, que o acusam de já ir longe demais.

O número oficial do défice de 2017 divulgado esta segunda-feira pelo INE veio superar mesmo as mais recentes expectativas. Sem contar com a injecção de capital realizada na Caixa Geral de Depósitos (que o Eurostat forçou a que tivesse um impacto negativo de 2,04 pontos percentuais colocando o défice em 2,96%), o défice público ficou-se no ano passado pelos 0,9%.

Este valor, não só fica abaixo dos 1,5% que eram antecipados há um ano quando o Governo apresentou o Programa de Estabilidade, como é menor do que os 1,4% estimados em Outubro e do que os 1,1% anunciados pelo primeiro-ministro já no início deste mês de Março.

Na prática, aquilo que aconteceu foi que, no seu plano de melhoria do saldo orçamental, o Executivo saltou um ano, ultrapassando já em 2017 a meta de 1,1% que tinha definido para 2018, no seu mais recente OE.

Deste modo, se o Governo pegar neste resultado e procurar fazer o mesmo tipo de cortes no défice que tinha planeado para 2018 e 2019, fica com a possibilidade de chegar a um excedente um ano mais cedo do que aquilo que tinha previsto: em vez de 2020, em 2019, o ano para o qual estão agendadas as próximas eleições legislativas.

No Programa de Estabilidade apresentado em Abril de 2017, o Executivo apontava para uma redução do défice de 0,5 pontos percentuais em 2018, de 1,5% para 1%, mas no OE de Outubro, a diminuição traçada para o défice passou a ser de 0,3 pontos, de 1,4% para 1,1%. Para 2019, o Executivo foi mais ambicioso no OE, projectando uma redução do défice de 0,7 pontos percentuais.

Agora, partindo de um défice de 0,9% em 2017, o Governo poderá, caso consiga e deseje manter o mesmo ritmo de descida, registar um défice de 0,6% em 2018, chegando a um excedente orçamental de 0,1% do PIB em 2019.

Será já durante o mês de Abril que o Governo irá dar a conhecer o seu novo plano, quando apresentar o Programa de Estabilidade para o período de 2018 até 2020. E quando o fizer, será, tal como tem acontecido desde o início do seu mandato, com uma pressão de Bruxelas para ir mais longe na consolidação orçamental e com uma pressão dos partidos à sua esquerda para não ir longe demais.

Isso foi evidente na forma como Mário Centeno reagiu esta segunda-feira aos dados do défice. Se metade da conferência de imprensa foi usada pelo ministro para salientar o feito inédito de colocar o défice abaixo de 1% e para enviar recados aos que mostraram dúvidas que tal pudesse acontecer (“hoje deixámos as impossibilidades aritméticas e os milagres”, disse Centeno), a outra metade foi passada a tentar convencer quem o ouvia de que afinal não houve assim tanta contenção orçamental. “Houve um aumento de todas as despesas, menos das despesas com juros. A despesa com pessoal, a despesa com consumos intermédios, a despesa de investimento, todas elas cresceram”, lembrou Mário Centeno, numa declaração, que poderia ter sido feita por um qualquer responsável da oposição no tempo em que as críticas se centravam na falta de controlo orçamental. O ministro não referiu o facto de, em 2017, como já tinha sido previsto, a carga fiscal ter aumentado de 34,2% do PIB para 34,5%.

Com este discurso, Centeno procurou afastar a ideia de que a forte descida do défice possa estar a ser conseguida à custa de investimento público e da qualidade dos serviços, a grande crítica que tem vindo a ser feita, não só à direita, como nos partidos à esquerda que apoiam o Governo. Mário Centeno reconheceu que 2017, com os seus resultados económicos positivos, foi também um ano de tragédias no país, o que força o Governo a ser “mais exigente” e a dirigir os recursos, “sempre limitados”, para as áreas em que haja mais necessidades.

“Este é o ritmo [de descida do défice] adequado”, defendeu o ministro, que salientou ainda que o saldo estrutural caiu 1 ponto percentual do PIB em 2017, ficando assim a meio caminho de atingir o objectivo de médio prazo de 0,25% exigido pelas regras europeias.

Mas, à esquerda, dificilmente serão essas garantias de Centeno que irão levar a uma redução da pressão. Em declarações ao PÚBLICO, António Filipe, deputado do PCP, defendeu em reacção aos dados publicados pelo INE que "a obsessão do défice está a ter reflexos dramáticos na vida dos portugueses", dizendo que, ao mesmo tempo que o Governo "se vangloria com os resultados extraordinários das contas públicas, não é motivo de júbilo o reflexo desta falta de investimento gritante nos serviços públicos mais básicos".

Para já, o Governo tomou a iniciativa de pedir reuniões com os partidos que à sua esquerda o apoiam no Parlamento para a semana a seguir à Páscoa para discutir as linhas orientadoras do Programa de Estabilidade que tem que entregar em Bruxelas até 30 de Abril. Bloco, PCP e PEV não terão muito tempo para fazer vingar as suas propostas, se as resolverem fazer, já que o documento deverá ser aprovado no dia 12 de Abril em Conselho de Ministros para que possa dar entrada na Assembleia da República no dia seguinte.

À direita, o CDS já avisou que irá repetir a estratégia do ano passado e de 2016 e propor a votação do programa no Parlamento para obrigar os partidos à esquerda do PS a mostrarem que afinal estão de acordo com as linhas prioritárias da acção do Executivo apesar de as criticarem sucessivamente. No ano passado, os centristas propuseram que o Programa de Estabilidade 2017-2021 e o Plano Nacional de Reformas fossem votados em plenário mas PS, BE, PCP e PEV chumbaram essa pretensão. O PSD votou ao lado do CDS e o PAN absteve-se. O CDS recomendava também que os dois documentos incluíssem políticas que “eficazmente promovam o crescimento económico, apostando no crescimento, nas exportações, no investimento e na competitividade” e que retomassem e intensificassem as “reformas estruturais adoptadas pelo anterior Governo”.

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