Que os livros cheguem a todos em qualquer sítio, é o mote do Plano Municipal de Leitura de Matosinhos

Após um ano de hiato, a iniciática organizada pela Câmara Municipal de Matosinhos regressa como complemento ao Plano Nacional de Leitura, mas também integrada numa série de outras acções locais de promoção à leitura.

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NFS - Nuno Ferreira Santos

É na Biblioteca Florbela Espanca, em Matosinhos, que uma actriz que encarna a personagem da poetisa falecida nesta cidade do Grande Porto, aos 36 anos, após terceira tentativa de suicídio, conta a história de vida desta ilustre calipolense a parte de um grupo de cerca de sete dezenas de pessoas que no último sábado lá se deslocaram para assistir à apresentação do programa da segunda edição do Plano Municipal de Leitura (PML) do concelho, que arrancou na semana passada e se estende até ao final do ano.

A história é contada numa escadaria do edifício com poemas da poetisa gravados nos degraus que sobem até à zona onde os livros estão guardados nas prateleiras. “O que é a vida e a morte/Aquela infernal inimiga/A vida é um sorriso/E a morte da vida a guarida”, são versos do primeiro poema de Florbela, A vida e a morte, escritos em 1902, quando ainda tinha oito anos, lidos para a plateia que se arruma entre os corrimões.

É em idade tenra e numa Vila Viçosa, no Alentejo profundo do início do século XX, na altura mais longe dos grandes centros urbanos, que passa para o papel as emoções e o estado de espírito de uma menina com uma densidade avassaladora para uma alma tão pouco vivida.

É na biblioteca de Évora, cidade onde fez o liceu, que passa a pente fino as obras de Balzac, Alexandre Dumas ou Camilo Castelo Branco, entre muitos outros. Não haveria outra forma de ter acesso a tão vasta bibliografia se não fosse esta janela para o mundo literário a que tinha acesso.

Numa viagem no tempo em direcção ao presente, num ponto do país mais a norte, numa área geográfica de grande massa populacional do litoral, numa altura em que o acesso à informação e a uma panóplia quase infinita de distracções estão à distância de um clique, que lugar têm ainda os livros?

Não é pergunta que será respondida neste texto. Tentar-se-á perceber antes o que poderá ser feito para que os hábitos de leitura continuem a contemplar esta forma de organizar ideias, seja em prosa ou em poesia.

É em resposta a esta segunda questão que o PML de Matosinhos regressa para a segunda edição, após um ano de hiato.

Levar a leitura para lá das bibliotecas

Com duas bibliotecas municipais, a Florbela Espanca, no centro da cidade, e a de São Mamede Infesta, quer-se sair de portas e levar os livros aos munícipes, diz o vereador da Cultura da autarquia, Fernando Rocha.

O PML terá sido inicialmente pensado para funcionar como complemento ao Plano Nacional de Leitura. É nesta fase um “instrumento integrado e territorialmente abrangente da política de promoção do livro e da leitura” levada a cabo pela autarquia que conta, além das bibliotecas municipais, com cinquenta bibliotecas escolares. Seguindo uma lógica “descentralizadora”, é mais uma iniciativa que se junta a outras em andamento há vários anos como os festivais anuais Literatura em Viagem e Festa da Poesia, à Biblioteca Itinerante ou ao Salvé a Língua de Camões, que decorre no Museu da Quinta de Santiago, em Leça da Palmeira.

Será esta uma forma de chegar a públicos que “por uma série de circunstâncias” nunca tiveram oportunidade para se relacionarem com a literatura, com destaque para os mais novos, “público que hoje tem acesso a outras distracções que não existiam no passado”.

Serviu a primeira edição, “o ano zero”, para isso e servirá esta para o mesmo, com algumas novidades.

Parte do corpo que organiza o PML, Nuno Cabo, técnico superior da área de Cultura da câmara, resume a edição de arranque como positiva. Somaram-se aproximadamente cinquenta actividades de promoção da leitura em escolas, IPSS ou estabelecimentos prisionais – neste concelho há três. A iniciativa chegou a cerca de 2500 pessoas e teve a participação de 20 autores convidados.

Novidades da edição de 2018

Na edição de 2018, apadrinhada pelos escritores Richard Zimler e Ana Luísa Amaral, presentes na apresentação do programa, há novidades. Parte das novidades fará a Poesia Mal_dita, orientada por Rui Spranger, que decorrerá em espaços públicos do concelho – mercados municipais e parques –, e será criada uma Comunidade de Leitores. Há outras. Realizar-se-ão tertúlias poéticas na Biblioteca de São Mamede, workshops de leitura e escrita criativa e será levada a cabo a Coffebooks, que contará com a colaboração de cafés e bares do concelho, onde será possível ter acesso a livros disponibilizados pelo PML. 

O programa estará disponível online, nas páginas da Biblioteca e da autarquia. Está agendada para dia 29 a leitura encenada de "A Espantosa câmara de espelhos do Senhor Ninguém", de Cláudia Vasconcellos, no âmbito do Salvé a Língua de Camões, e, a 28 de Abril em local a designar, a propósito das comemorações dos 44 anos da revolução, a tertúlia e apresentação do livro a A Última Viúva de África, de Carlos Vale Ferraz, pseudónimo de Carlos Matos Gomes, Capitão de Abril, que contará com a presença de Henrique Dória, director da revista inComunidade, e do Coronel David Martelo, em representação da Associação 25 de Abril.

Para o vereador da Cultura, a leitura e o acesso aos livros não servem apenas para mero exercício de lazer: “Só potenciando o conhecimento, valorizando as pessoas, é que podemos ter um verdadeiro desenvolvimento cultural e com isso uma consciência cívica mais activa e mais bem formada”.

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