A Arcádia desafia o público a “bordar” as suas drageias

Os doces são, até quarta-feira, pintados ao vivo pelas “bordadeiras” da marca. O público também pode tentar a sua sorte, numa arte em que precisão é palavra de ordem.

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As "bordadeiras" trabalham centenas de drageias em simultâneo Adriano Miranda
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As drageias são decoradas de dezenas de formas diferentes Adriano Miranda
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A colagem dos pés de cereja nos doces artesanais Adriano Miranda
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O aroma adocicado que se faz sentir no número 63 da Rua do Almada, localização da fábrica da Arcádia, convida os transeuntes da cidade do Porto a parar e visitar. Num primeiro olhar desatento, o espaço aparenta ser uma loja comum, mas, se olharmos em frente depois de uns pequenos degraus, vemos quatro senhoras de bata branca a trabalhar com uma celeridade impressionante. À frente destas mulheres — conhecidas como “bordadeiras” —, encontram-se tabuleiros rectangulares de amêndoas de vários tamanhos e feitios que, nas suas mãos, se tornam verdadeiras obras de arte. Este bordado hipnotizador pode ser visto, revisto — e até experienciado — até à próxima quarta-feira das 9h30 às 18h.

“Faço cerca de 15 tabuleiros por dia”, diz Lurdes Ferreira, que tem há 38 anos a tarefa de bordar as drageias. Cada uma é pintada e decorada individualmente, constituindo uma tarefa hercúlea se tivermos em conta que a produção anual da Arcádia ultrapassa as 20 toneladas. Cada tabuleiro tem várias centenas destes pequenos doces mais conhecidos por amêndoas de licor, obrigando a que o trabalho seja feito com gosto e carinho, sentimento partilhado pelas quatro mulheres que bordavam as iguarias na loja na manhã desta segunda-feira. A habilidade e precisão demora tempo a aperfeiçoar, admitem, mas é motivo de orgulho verem o seu trabalho “exposto” nas várias confeitarias da cidade. 

Os motivos das drageias podem variar entre os populares bebés, os leitões, as cerejas, os cantis, e mais três dezenas de decorações. As mais vendidas são as dos recém-nascidos que Ana Alberto, funcionária da casa há 16 anos, desconstrói: “Primeiro tenho de fazer a cabeça, depois o lencinho e, por fim, os olhos”. Estas diferentes fases são intervaladas para que a glace — cobertura de açúcar usada para as ilustrações — seque correctamente.

“Os bordados mais difíceis são os dos cantis”, diz Margarida Bastos, que, juntamente com o irmão João, administra o negócio que o avô, Manuel Pereira Bastos, fundou em 1933. Ana Paula está encarregada destas peças meticulosas: “Gosto muito de pintar os cantis”, diz a bordadeira, ao mesmo tempo que, estabilizando a mão numa tábua de madeira que atravessa horizontalmente o tabuleiro, vai desenhando motivos florais com movimentos precisos. No lado oposto da mesa, Paula Leite mergulha os pés de cerejas numa mistura açucarada que permitirá que estes colem às drageias que se assemelham ao fruto.

As amêndoas de licor, ao contrário do que o nome indica, podem ser ingeridas sem receio de eventuais problemas com as autoridades: “As amêndoas não são alcoólicas. É usada uma espécie de açúcar com aroma”, diz, de forma bem-disposta, Margarida Bastos, relembrando tempos antigos: “A técnica das drageias foi trazida de Paris pelo meu avô. Hoje em dia somos os únicos a fazê-lo [no país], mas penso que na época era comum fazer-se em França”.

A expansão de uma “marca de confiança”

São precisos aproximadamente dois meses de fabrico até que as amêndoas estejam prontas para serem trabalhadas pelas “bordadeiras”. Devido a esta necessidade de antecipar o futuro, Margarida diz que a Páscoa de 2019 “já está a ser preparada”.

A dimensão que a empresa assumiu ao longo dos anos deve ter ultrapassado os prognósticos mais optimistas do jovem Manuel Bastos, quando este decidiu montar o negócio depois de regressar da capital francesa. Já na terceira geração, a Arcádia tem lojas em vários pontos do país e, como Margarida refere orgulhosamente, “conquistou a confiança dos portugueses enquanto produto de qualidade”. As mil e umas variedades de chocolate, amêndoas e outros produtos estabeleceram uma rede de “clientes fiéis”, admite a proprietária.

A primeira confeitaria da marca abriu na Praça da Liberdade em 1933, no coração da Invicta. Até ao 25 de Abril, a Arcádia fornecia grandiosos banquetes para altas figuras estatais e até a rainha Isabel II, numa visita oficial ao Porto, foi servida pela empresa. Depois da morte do fundador, o pai de Margarida assumiu as rédeas do negócio. Em 2000, devido à “desertificação do centro da cidade”, como relata a actual responsável, a confeitaria na Praça da Liberdade fechou portas, 67 anos após a sua inauguração. 

Depois do falecimento do pai, Margarida e o irmão João assumiram definitivamente o controlo da marca. Na época da construção de grandes superfícies comerciais, a Arcádia procurou ir atrás dos clientes, abrindo um pequeno quiosque sazonal em 2005 no Norte Shopping. O sucesso foi tal que o quiosque rapidamente se transformou em loja de funcionamento diário.

A partir desse momento, o crescimento não voltou a abrandar: actualmente a Arcádia encontra-se presente em 25 espaços espalhados por dez cidades, levando os seus bombons de vinho do Porto, línguas-de-gato, chocolates, amêndoas, gelados e outros produtos às mesas — e bocas — dos que procuram adoçar o seu dia.

Texto editado por Ana Fernandes

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