Carta a um jovem poeta

É de longe mas de perto que te escrevo, querido Manel.

Querido Manel,

Pode parecer estranho que te chame jovem e te chame poeta. Primeiro, porque tens 72 anos de idade (de acordo com o calendário) e segundo, porque nunca publicaste poesia. 

Ofereço-me para explicar esta forma de me dirigir a ti: é que sempre te olhei como se olha para um rapaz/homem ou homem/rapaz, nunca te vi como alguém mais velho. Os anos e as décadas foram passando, desde o ido de 1983, a primeira vez que bati à porta do Frágil, e a Guida Gorda me perguntou a mim e ao Carlos, acabadinhos de chegar da Guarda, com um arzinho de meninos da província: “São clientes habituais?”, e, perante a nossa hesitação na resposta, nos fechou a porta na cara. Depois, desde 1986, quando fundei o Clube de Artes e Ideias, passei a ir ao Frágil e até há pouco tempo (a última vez que falámos foi antes da última festa de aniversário do Lux, a que não consegui ir, lembras-te?) tivemos sempre esta boa conversa: “Manel?”, e tu, na tua voz bem timbrada, segura e ao mesmo tempo doce, uma voz que transmite proteção e fraternidade, dizes “Jorge?”. E no mundo das nossas esperanças dessa Lisboa que se faz pelas nossas mãos, parece que tudo está bem. Lisboa faz-se nova contigo. Nós, os aspirantes a artistas e do meio das artes em geral, temos em ti uma chave de leitura do que nos liga: a noite, a novidade das pessoas e das coisas, a invenção das experiências, a procura da elegância, o lugar da liberdade, o ponto de encontro. Lembro com o cuidado de quem quer proteger um tesouro, as nossas longas conversas, ora a almoçar, ora encostados no pátio do Lux com um copo na mão. E em ti sempre a majestosa juventude, acho que é o nome que lhe posso dar, sei bem que os amigos e amigas que te incensam se sentem sempre perfumados pela novidade da tua existência.

És um poeta sim. O que é um poeta? Um escrevinhador? Um inventor? Um desenhador? Bem sei que se poderá dizer: um poeta...é um poeta. Mas então saberemos que do teu peito se libertam aves brancas e das tuas mãos mágicos sons, que dos teus olhos se recolhem sonhos e com as tuas palavras se constroem castelos.

De nós, que sonhamos a liberdade e a libertação, a vontade de criar e a possibilidade de ter voz, nós temos em ti o nosso príncipe galante, e, querido Manel, é assim que te vejo agora, que a barca te vem buscar.

Escrevo-te de longe, estou na Goa dos mil prodígios, e não poderei agitar a brancura do meu lenço e a cor das minhas lágrimas quando as aladas criaturas te colocarem no Olimpo.

É de longe mas de perto que te escrevo, querido Manel.

Aqui te guardo, bem juntinho do coração. Agita-se desconsolado este teimoso músculo, pois foi apanhado sem jeito pela notícia de que te ias ausentar. 

Guarda-nos Manel, no teu lugar, esse lugar onde um dia iremos. E aí, contigo, outra vez, havemos de nos banquetear, querido jovem, querido poeta da nossa Lisboa.

Um beijo para ti,
Jorge

* O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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