As reuniões de engonha, aquelas onde se fala muito e nada se faz

É chique ter a agenda cheia de reuniões. Não compreendemos porque é que o trabalho e os problemas se acumulam de uma semana para outra semana, mas ainda assim dá-nos um grande gozo passar a vida em reuniões

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Breather/Unsplash

Segunda-feira: sinónimo de reuniões de trabalho para muita gente e para mim não foi diferente, só porque entendi que realmente era preciso estar presente naquele dia, para dar apoio a um colega que andava muito optimista e com uma grande vontade de fazer com que a nossa comunicação externa funcionasse. Achei que isso era de louvar, porque qualquer iniciativa para reforçar a comunicação com todos os stakeholders é sempre uma semente de esperança para o futuro: nenhuma organização pode sobreviver isolada e centrada em si mesma.

Então lá fui eu, participar da tal reunião, que acontece há anos, sempre no mesmo dia, sempre no mesmo horário, e sempre com a mesma falta de prioridades. Sem dar-me conta, fiquei com uma das cabeceiras da mesa, coisa que poderia denunciar, e depressa, a minha ausência dos últimos meses. Apercebi-me, no entanto, da minha linguagem corporal: cadeira distante da mesa, perna cruzada, mãos no joelho direito e braços totalmente esticados, tal como um miúdo que recusa um prato de sopa com "coisas verdes" a boiar lá dentro.

Desviei, então, a minha consciência para as conversas que aconteciam à minha volta. Em meio segundo, a minha exasperação duplicou. Alguém à minha direita mostrava, de forma muito excitada, as fotografias dos seus cães a uma outra pessoa que se encontrava do outro lado da mesa. Num instante, todos nós ficámos expostos, voluntária ou involuntariamente, a um slideshow sem fim. Não me entendam mal, eu sou a primeira a defender locais de trabalho mais humanos, mas fazer de uma reunião de trabalho uma esplanada de café não encaixa bem na minha ética de trabalho. Sobretudo quando estes comportamentos estão assentes em esforços de socialização superficial, pois a mesma pessoa que mostrou os canitos, para apelar a reacções afetivas positivas dos outros, é também a mesma pessoa capaz de passar por cima de quem quer que seja para ficar com um determinado projecto ou oportunidade de trabalho.

Fotografia para ali, fotografia para acolá, telemóvel nesta e naquela mão... E eu ali, firme e hirta, a contar os minutos que já tinham avançado no relógio desde a hora marcada da bendita reunião. Eu sei que não vale a pena o stress e a exasperação, mas sou idealista por natureza e se por um lado há queixas de que os resultados não aparecem, por outro há o alimentar destes tempos mortos que em nada contribuem para a evolução do trabalho de cada um e do grupo como um todo. Ali, para além de perdermos tempo, perdemos também horas de trabalho, porque as reuniões passam a ser sobretudo um pretexto para socializar, apesar de se manterem as mesmas regras de funcionamento. Há sempre, em nós, a invocação moral de termos que estar presentes, apesar de as reuniões se revelarem puramente inúteis.

Pessoalmente prefiro socializar com colegas de trabalho fora de uma sala de reuniões. Talvez isso seja antiquado para alguém da Geração Y, mas o risco de tornar toda e qualquer reunião num mero ponto de encontro de discussão trivial é o facto de uma reunião acabar por ser demasiado longa e, além disso, nunca suficiente. Isto porque, enquanto alguém se debate com perguntas sérias como “Quem tem o animal de estimação mais fofo?” ou “Qual de nós está mais ocupado?”, a avaliação real do trabalho fica em águas de bacalhau e dificilmente se chega a algum momento eureka sobre como resolver este ou aquele problema. Chamo a este tipo de reuniões as reuniões da engonha, onde nada se produz e nada se discute efectivamente. São reuniões para fazermos de conta que trabalhamos e somos importantes. É chique ter a agenda cheia de reuniões. Não compreendemos porque é que o trabalho e os problemas se acumulam de uma semana para outra semana, mas ainda assim dá-nos um grande gozo passar a vida em reuniões. Corrijo: dá-nos um grande gozo dizer aos outros que passamos a vida em reuniões.

Quero fazer, no entanto, um pequeno reparo: a socialização entre colaboradores é muito importante. Nunca devemos descurar isso, porque é um ingrediente fundamental para a coesão de um grupo de trabalho, mas é preciso criar um espaço específico para isso fora das reuniões de trabalho, caso contrário estaremos apenas a criar manobras de diversão que acabam por nos sair caras. É que eu nunca vi, até hoje, nenhum estudo sobre produtividade no trabalho que mencionasse engonhar — sonhar alto sim; engonhar não. Nunca vi e suspeito que nunca hei-de ver, mas também não será preciso vir nenhum doutor para nos vir explicar isso. Digo eu.

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