Porque fazemos greve

As universidades equivocaram-se quando nos deixaram fazer três semanas de greve, pensando que daqui sairíamos desmoralizados ou vencidos. Porque foram dias suficientes para percebermos quem está do nosso lado

Antes de ser professora numa universidade no Reino Unido, contrato permanente e salário no fim do mês, também eu fui precária, freelancer, a prazo e recibos verdes em Portugal. Nunca pude participar numa greve porque eu era o meu próprio empregador, a minha própria Segurança Social e os descontos que tenho em Portugal, como independente, quem sabe se algum dia chegarão para pagar a conta da luz. Talvez por ter sido precária tantos anos, nunca tinha pensado, até há pouco, quanto valeriam os meus descontos quando me reformasse.

Mas fiz as contas – eu e milhares de professores que desde 22 de Fevereiro participaram em 14 dias de greve em 64 universidades do Reino Unido, a maior greve de sempre no ensino superior. De acordo com as deduções propostas pelo fundo de pensões, USS, quando me reformar, vou perder 32% do valor da minha pensão e receberei pouco mais do que o salário mínimo actual.

Como é que um fundo de pensões que diz ter um “défice” de seis mil milhões de libras (com aumentos nas contribuições desde 2011) permite que o CEO tenha um aumento salarial de 82 mil libras para 566 mil/ano? Se o fundo está “em risco”, como é que os “investidores” recebem mais do que o CEO? Como é que um fundo que se diz “falido” consegue pagar só em funcionários 125 milhões de libras/ano, incluindo dois que ganham mais de um milhão cada? Isto não é propaganda do sindicato, veio na BBC.

Mais do que ter estado 14 dias de greve (muitos ao frio, na neve e sob temperaturas negativas da “Besta do Leste”), custa saber que há colegas que queriam fazer greve mas não tinham como prescindir dos seus precários salários, em escalões que não lhes permitem descontar, pagos à hora, a prazo, sem qualquer protecção. São 69% dos professores no país (segundo o sindicato).

Custa saber que os alunos pagam nove mil libras por ano em propinas (20 mil se de fora da União Europeia) para que aos professores lhes seja retirado entre 30 e 60% das pensões.

Custa perceber que o sistema universitário britânico se tenha tornado uma grande empresa, com reitores-CEO a receber entre 250 mil e 450 mil libras por ano em salários e benefícios. Um sistema em que os estudantes são consumidores (e têm sempre razão?), o ensino mercantilizado e os professores funcionários “uberizados” fornecendo um “serviço”.

Mas as universidades equivocaram-se quando nos deixaram fazer três semanas de greve, pensando que daqui sairíamos desmoralizados ou vencidos. Porque foram dias suficientes para percebermos quem está do nosso lado. Ganhámos visibilidade. Somos mais e mais unidos hoje do que éramos no fim de Fevereiro.

A disputa está, por isso, para lá das pensões. É sobre a educação universitária que queremos – pública, de qualidade, universal e que não afunde em dívidas funcionários e alunos. Não admira que 126 mil estudantes tenham assinado petições, escrito aos reitores, reclamado o “seu dinheiro” de volta, ocupado edifícios em 22 universidades, boicotado aulas, recusando-se a furar a greve. Porque as nossas condições de trabalho são também as suas condições de ensino.

Muitos edifícios continuam ocupados por alunos. Haverá mais 14 dias de greve na época de exames, em Maio. Isto é só o princípio.

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