Perfumes: As histórias olfactivas já são contadas em português

Há novas empresas em Portugal que recebem encomendas não só de marcas portuguesas, mas também de marcas de luxo estrangeiras que pedem perfumes made in Portugal.

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Pormenor da fábrica de Braga Adriano Miranda
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Daniel Vilaça, proprietário da fábrica Nortempresa Adriano Miranda
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Paula Gomes e Eduardo Oliveira desenvolvem perfumes Adriano Miranda

Começa a ser moda fazer e ter perfumes made in Portugal. Os joalheiros querem, os designers também, as grandes marcas e até pessoas em nome individual desejam um perfume em nome próprio. Além dos perfumistas que desenvolvem os perfumes existem também fábricas que os produzem. A primeira em Portugal surgiu no século XIX, mas dois séculos depois há, pelo menos, uma fábrica que as marcas de luxo estrangeiras procuram porque produz em grande escala. 

A Nortempresa Perfume LAB abriu em Braga, em 2016, num investimento superior a dois milhões de euros e consegue produzir mais de 20 mil perfumes por dia. Durante anos, a empresa tinha a sua própria marca de perfumes, a Ydentik, que era feita no exterior, até que um dia, Daniel Vilaça, proprietário da empresa pensou: “Por que não fazê-los eu?” Para isso era preciso ter maquinaria moderna, linhas automáticas de enchimento e embalamento. Da ideia à concretização do projecto foi um instante. “Abri a primeira fábrica de perfumes, em Portugal, com total especialização na produção, com a mais alta tecnologia. Não havia nada assim”, orgulha-se. A empresa tem 14 postos de trabalho e no final de 2017 facturou cerca um milhão e meio de euros.

Antes de Daniel Vilaça já havia outras fábricas, laboratórios e perfumistas a trabalhar em Portugal. Afonso Oliveira, coleccionador de miniaturas e de frascos de perfumes, fez uma pesquisa por conta própria. Encontrou três dezenas de fábricas nacionais. Muitas delas fecharam há anos. “A primeira fábrica de perfumes em Portugal, a Phomaz e Mendonça e Filhos, Lda, surgiu no ano de 1850, em Lisboa”, conta ao P2. Também pesquisou sobre a Ach. Brito, fundada em 1887 com o nome Claus & Schweder, no Porto, pelos alemães Ferdinand Claus e Georges Schweder. Passou, anos depois, para as mãos do português Achilles Brito, com a designação Ach. Brito. Tem o bisneto Aquiles de Brito à frente da empresa. Pelo 130.º aniversário da marca, em 2017, o empresário lançou o Le Parfum. A perfumista inglesa Lyn Harris criou uma fragrância unissexo inspirada em Portugal.

Anos depois da Ach. Brito, corria o ano de 1894, nasce a Confiança, em 1894, em Braga. Tornou-se uma referência na saboaria e perfumaria. Dos sabonetes, às pastas dentífricas, estiques para a barba, também havia lugar para as águas-de-colónia, loções e essências. E continua de portas abertas.

Já em 1999 abriu a Castelbel que, na área da perfumaria tem no mercado as Eau de Toillette em vaporizador, dotada de uma fragrância exclusiva desenvolvida pelos perfumistas François Robert e Mireille Picard. Actualmente, a fábrica tem várias colecções de perfumes de uso corporal nas suas marcas Castelbel e Portus Cale. Saem da unidade de Castêlo da Maia, onde também se fabricam produtos perfumados de luxo para a casa e corpo, desde sabonetes, loção corporal, gel de duche, velas, saquetas, papéis perfumados e vaporizadores de fragrâncias, não só para Portugal como para exportação. 

No mesmo ano, em Coruche, surge a Laverde que fabrica produtos de cosmética e higiene corporal para outras empresas e marcas do país e do estrangeiro. “Fabricamos para muitas marcas, mas não as podemos divulgar”, diz Nicole Carocha, directora técnica e filha do proprietário, pois aquelas pedem o anonimato. A empresa exporta para a Alemanha, Suíça e França, desde perfumes e águas-de-colónia para uso corporal a ambientadores e difusores para a casa. Também fabrica champôs, sabonetes líquidos e cremes solares. A Laverde está a crescer e, dentro de meio ano, os 33 funcionários vão mudar-se para uma nova unidade fabril com seis mil metros quadrados, num investimento de três milhões de euros, anuncia a responsável.

Perfumes à medida

Desde o ano da criação da fábrica de Coruche, muito mudou no panorama nacional. Em 2004, as engenheiras químicas Vera Mata e Paula Gomes criam a empresa I-Sensis - Investigação e Desenvolvimento em Engenharia Química, Lda. “Não havia nada assim, nessa altura em Portugal”, recorda Vera Mata que entretanto saiu da I-Sensis e abriu, em 2014, a empresa de produtos perfumados e aromatização Ownya, para trabalhar com o mercado internacional. Agora já não desenvolve perfumes para uso pessoal como então fez na I-Sensis; por estes dias, cria perfumes e ambientadores em spray  para casa e velas. Regressando ao ano 2004, a empresa surgia para a formulação de perfumes inovadores e exclusivos à medida do cliente. “Notámos que havia uma oportunidade de negócio na parte da composição dos produtos perfumados”, acrescenta a então sócia e actual proprietária, Paula Gomes, em conjunto com o director comercial Eduardo Oliveira. Mais, prossegue, “o cliente não queria apenas o perfume, mas sim o produto chave-na-mão, desde o desenvolvimento do frasco até ao design da embalagem”. Foi o que fizeram.

Depois, o ano de 2008 foi marcante. “A cadeia de lojas de crianças Knot procura-nos para aromatizar a loja e, dois anos depois, criámos o perfume da marca”, conta Vera Mata. Começava aqui uma nova tendência no mercado. “Era um prestígio as marcas e lojas terem um perfume seu.” Cada vez mais empresas começam a comprar fragrâncias em Espanha e Itália, só que não eram originais. Foi aqui que a I-Sensis encontrou um espaço no mercado onde poderia vingar: criar fragrâncias à medida do cliente. Surge o Amor-Perfeito para mulher e outro para homem do estilista José António Tenente que foi desenvolvido por Luís Pereira, da 100 ml. Paula Gomes lembra-se bem dessa altura: “Foi um grande desafio. Tínhamos de traduzir o perfume do amor-perfeito.” Tinham de concretizar em aromas uma ideia abstracta que o cliente lhes levava.

Seguiram-se as marcas de roupa de criança Laranjinha e a Metro Kids. “O grande boom foi em 2009 e 2010 com as marcas de retalho a quererem ter perfumes de marca própria, como a Women Secret”, recorda Vera Mata.

Estava lançado o caminho para as marcas de luxo da joalharia, vestuário e calçado terem perfumes de marca própria. Queriam um produto que contasse histórias através do olfacto, que levasse as pessoas a viajar pelo mundo dos aromas. Como o joalheiro Eugénio Campos que encomendou o Gold Stone (para homem) e Gold Rose (para mulher); as marcas de roupa Decenio e de calçado Seaside; além do Sporting Clube de Braga – todos foram produzidos na Nortempresa de Daniel Vilaça. O empresário tem ainda na sua carteira de clientes a Bacardi, a Claus Porto e a Papillon London Cosmetics. Recentemente desenvolveu o perfume unissexo, com notas florais e frutadas, para o Instituto Politécnico de Beja.

Uma narrativa olfactiva

O principal negócio de Eugénio Campos é a joalharia, mas, pela comemoração dos 30 anos da marca, resolveu apostar na criação de “uma jóia em estado líquido”. Rita Carvalho, consultora na área da perfumaria, acompanhou todo o processo da criação do perfume e fabrico. O joalheiro queria um perfume 100% made in Portugal. “Um perfume é um acessório como uma jóia. Pode fazer a mulher sentir-se mais encantadora, romântica, sedutora e levantar-lhe a auto-estima”, descreve Rita Carvalho. “Mexe com as nossas emoções. É quase como um compositor olfactivo”. Ainda que, elucida, entre risos, “Napoleão tomava banho de perfume: usava 43 litros de água-de-colónia”.

Já Lourenço Lucena, “compositor de perfumes” como se descreve, acredita que “a perfumaria é a arte de contar uma narrativa olfactiva”. Da mesma forma que um escritor cria uma narrativa com personagens, no perfume são as matérias-primas que contam uma história. “O perfume tem o lado mágico e prático de assegurar que, no final, haja harmonia entre as personagens”, diz o especialista, membro da Sociedade Francesa de Perfumistas.

Lourenço Lucena é diplomado em Composição de Perfumes pela Cinquième Sens, em Paris. Nunca foi prioridade criar um perfume seu, mas acabou por fazê-lo depois de lhe lançarem o desafio. Primeiro criou o perfume unissexo Casa comigo Lisboa, inspirado no Tejo, nos manjericos, no limão e nos pastéis de nata para a marca Noivas de Santo António. Depois desenvolveu perfumes para as empresas Carris, EDP e Hotéis Tivoli. Só então decidiu ter um com a sua marca: durante oito meses desenvolveu o perfume Acqua  di  Portokáli que lançou em Junho de 2017, “em homenagem a uma fórmula clássica da história da perfumaria, a água de Portugal, dando-lhe a sofisticação e modernidade necessárias, num eau de parfum”. 

Primeiro desenvolveu-o no seu laboratório e depois fabricou-o na I-Sensis Perfume Design. “Agora, que fiquei com o bichinho, irei lançar outro antes do Verão que será cítrico”, informa. Entretanto cria perfumes pessoais a partir do perfil psico-social-olfactivo do cliente. “É um trabalho demorado, entre quatro a seis meses, e não é propriamente barato”, admite. Também cria um perfil olfactivo para quem não sabe que perfume usar. Consegue determinar o que melhor se ajusta a cada pessoa. “Se há 20 ou 30 anos tínhamos três dezenas de perfumes, de homem e outros tantos de mulher, agora temos centenas, o que baralha o consumidor na hora de se decidir”, refere. Assim, o perfumista desenha o perfil da pessoa, para poder escolher o perfume, em função das respostas a um inquérito onde pergunta quais os perfumes que usou e mais o marcaram, a música que gosta de ouvir, as viagens que gosta de fazer, o que o transporta para a felicidade e o que o descansa.

A criação da fórmula

O perfumista tem de ter alguns cuidados como o nariz desentupido, conseguir memorizar centenas de matérias-primas “que é o garante no momento em que quer criar uma determinada formulação das quantidades que vai utilizar”. No momento em que está a escrever a fórmula do perfume, primeiro pensa que história quer contar – “é o que me permite identificar um conjunto de matérias-primas (os óleos essenciais, soluções aquosas ou etílicas)”. São estas as personagens da história olfactiva.

Depois num bloco de notas ou no computador, Lourenço Lucena faz a identificação de cada uma das matérias-primas que vai utilizar e imagina as quantidades para cada uma delas. “Faço a fórmula, passando depois à composição física do perfume que é a junção das matérias-primas nas quantidades definidas.” O passo seguinte é cheirar. “Jamais se chega à primeira ao perfume. É um trabalho muito de tentativa e erro. Cheiro a composição e vou refazendo a formula até corresponder à história que quero contar”, elucida. Apresenta depois ao cliente e a fórmula segue para laboratório que estuda a sua composição e assegura que o perfume cumpriu as regras. 

À entrada da I-Sensis Perfume Design, em Vila Nova de Gaia, há um intenso cheiro perfumado. É também aqui que Luís Pereira, dono da empresa 100 ml, produziu os seus perfumes Ribeira do Porto e o Chiado. Inspira-se sempre nos bairros e barbearias portuguesas. “Na I-Sensis mostraram uma folha de tabaco que serviu de base para o perfume Chiado”, recorda. Este ingrediente tinha tudo o que queria: elegância, sensualidade e era masculino. Com 20 anos a trabalhar na área de alta perfumaria, Luís Pereira chegou a participar, numa outra empresa, na criação do perfume Morangos com Açúcar e no perfume da comemoração dos 100 anos do Benfica. 

Laboratório apetrechado em Braga

“É no laboratório da Nortempresa Perfume que se desenvolvem novos produtos, formulações, se fazem testes às matérias-primas, como as essências e óleos guardados nos frasquinhos de vidro, que fazem parte dos perfumes e dos ambientadores. É desta sala, onde realça à vista o olfatómetro e o cromatógrafo – permite separar os compostos –, que se segue para um outro espaço de grande dimensão onde está instalada a linha de produção de grande escala e a mais moderna maquinaria. Aqui só se entra com bata, touca, luvas e calçado próprio. Sempre que acaba uma produção, esta sala é desinfectada”, descreve Daniel Vilaça.

Num outro espaço fazem-se a mistura dos perfumes, com “os lotes de perfumes, por norma de 300 litros, apesar de a fábrica ter capacidade para 1200 litros de cada vez”. É um sistema automático com maquinaria, e por ali há cubas de produção que fazem lembrar o processo do vinho. “Também o perfume fica em estágio dentro destas cubas de inox, durante 45 a 60 dias, nesta sala que está a menos de 10 graus de temperatura”, conta. Depois, o perfume é introduzido nas máquinas de enchimento que atestam 20 mil produtos por dia. 

É aqui que também produz a sua marca, a Ydentik - Perfume Bar Concept que surgiu em 2013 depois de Daniel Vilaça se ter inspirado no conceito de bar. “Vi um senhor a servir uma bebida com os doseadores das garrafas ao contrário e pensei: Por que não faço uma perfumaria com conceito de bar?”, recorda. As semelhanças são muitas, o cliente faz um cocktail de perfume até três ingredientes. “Sei o que estou a comprar porque está descrito no menu como se fosse um bar. Imagine que gosta de um floral mas pode querer um toque mais amadeirado e aí adicionamos", explica o empresário que abriu a primeira loja em 2013, em Braga. Depois foi sempre a crescer com apenas um espaço comercial da marca e os restantes 51 abertos em sistema de franchising, em Portugal, Espanha, França, Irlanda, Suíça, México e Tunísia. "Estamos a crescer mais em França", acrescenta. 

“O perfume já foi visto como um bem luxo. Hoje democratizou-se”, diz a consultora de perfumes Rita Carvalho. É um produto que está ao alcance de todos. “É um acessório de moda que não o uso. Mas sinto-o através do olfacto”, exemplifica. “Estamos mais sensibilizados para usarmos o nariz”, diz por seu lado Lourenço Lucena. “Basta estarmos com a 'lente' olfactiva ligada, despertar para a dimensão olfactiva e o nosso no dia-a-dia ganha logo outra magia”, termina.

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