Palavras para quê? São “artes” à portuguesa

Se muitos vierem a fechar as portas ou disserem adeus às artes, não custar a acreditar que a relação do Estado com a comunidade artística venha a ser “mais próxima.”

De nada vale repetir que o apoio do Estado às artes é sempre território propício à polémica e ao desentendimento. Vale, isso sim, olhar para os efeitos práticos de tal sistema e da sua mais lenta ou célere aplicação no terreno das actividades artísticas. E o que se vê, hoje como há já vários anos, é uma situação alarmante. Não por acaso, aquela que devia ser uma festa para os autores, a Gala dos Prémios SPA, foi ensombrada por declarações de artistas que, sem hesitar, denunciaram ali situações de precariedade. “A mesma situação de miséria que se instalou no quadriénio anterior”, disse a actriz Inês Pereira, dos Artistas Unidos, lendo um comunicado de protesto subscrito “por 650 actores em menos de 24 horas”, contra os atrasos nos apoios na Direcção-Geral das Artes (DGA). Rita Cabaço, outra premiada, disse: “É desconsolador e perigoso a desconsideração que é dada à comunidade artística.” E estas reacções foram, ou estão a ser ainda, subscritas ou sublinhadas por criadores e instituições de várias áreas.

De nada vale, também, tentar pôr água na fervura se a água vier em ebulição. E as palavras do secretário de Estado Miguel Honrado, na entrevista que concedeu ao PÚBLICO, são tudo menos encorajadoras. “Continuamos apostados na correcção progressiva dessa trajectória [a do ciclo político anterior], mas temos de lidar com os constrangimentos macroeconómicos, e de ter os olhos postos no médio e no longo prazo.” Ou: “A concretização talvez esteja a ser mais lenta do que prevíamos, mas o que interessa é perseverar nessa concretização.” Isto é muito fácil de dizer quando não se tem uma companhia ou uma instituição artística para dirigir, programar e manter com um mínimo de sustentabilidade e coerência. Mas quando se está do lado das artes, e não das “artes” políticas em tudo iludir com discursos redondos, o cenário é negro: endividamentos, programas suspensos, obras adiadas, crises de nervos, tudo por não se saber, em tempo útil, se existirá algum apoio e quanto; e se chegará em tempo útil para evitar o pior. Neste cenário, há quem pense em suspender a actividade ou mesmo em fechar portas. Porque só os discursos vazios vivem do ar. Claro que, a prazo, haverá “ganhos” políticos. Miguel Honrado diz que “este atraso se deu em nome de uma relação mais próxima com o sector” e não custa a acreditar. Se muitos vierem a fechar as portas ou disserem adeus às artes, sobrarão menos com quem falar. Sim, não custa acreditar que a relação venha a ser então “mais próxima”; mas também mais pobre para o panorama cultural português.

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