Da pintura às artes decorativas: o último dia do Portugal Fashion

A ligação entre moda e arte marcou o final do Portugal Fashion. Pela passerelle passaram as colecções de criadores como Nuno Baltazar e Diogo Miranda.

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O último dia de desfiles arrancou com arte e moda à mistura. Na tenda instalada no Parque da Cidade, no Porto, apresentaram as suas colecções de Outono/ Inverno criadores como Nuno Baltazar, Katty Xiomara e Luís Onofre.

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O último dia de desfiles arrancou com arte e moda à mistura. Na tenda instalada no Parque da Cidade, no Porto, apresentaram as suas colecções de Outono/ Inverno criadores como Nuno Baltazar, Katty Xiomara e Luís Onofre.

Para a colecção número 28, Nuno Baltazar centrou-se no trabalho de Paula Rego. Mais concretamente, o criador inspirou-se no estúdio da artista portuguesa e nas personagens que habitam o seu universo. Durante o processo, conta, esteve em contacto com Lila Nunes, umas das principais modelos da pintora. “[A artista] veste o modelo que está a usar. E usa as roupas todas que tem lá, que são da mãe, da avó, coisas que comprou...”, conta.

Veja-se, por exemplo, a mulher-cão, uma figura “que está aninhada”, com os “ombros contraídos, as mãos contraídas” e que, do ponto de vista do criador, se traduz em mangas trabalhadas com diferentes técnicas. A sobreposição de tule nas mais variadas peças foi uma ideia retirada dos quadros das mulheres bailarinas de Paula Rego, inspiradas, por sua vez, nas avestruzes bailarinas do filme Fantasia, da Disney. Um dos aspectos importantes, sublinha Nuno Baltazar, era passar a ideia de uma história em suspenso: por isso criou a aparência de peças construídas parcialmente em busto.

Por falar em histórias inacabadas, o próprio criador assinala os 20 da marca, de olhos postos no futuro. Para já, prepara-se para abrir uma nova loja, em Abril, na baixa do Porto. Vai trocar a actual morada na Boavista — que neste momento já está fechada — pela Rua do Bulhão. “Vou para um epicentro que neste momento é muito mais interessante”, explica. “A forma como [a loja] está a ser construída é para que seja mais próxima das pessoas. O atelier da Boavista, apesar de ser aberto ao público, era uma casa e, por isso, inibia de alguma forma a entrada”.

Katty Xiomara também se virou para as artes. A julgar pelo cenário na entrada da passerelle — com um amontoado de quadros e móveis, que reproduziam o ambiente de um estúdio —, era evidente que se preparava para mostrar uma colecção com este pressuposto. A criadora focou-se em dois movimentos artísticos: o cubismo e abstraccionismo lírico.

A interpretação aberta dos quadros de artistas como Picasso, Matisse e Miró surge assim na combinação de preto e azul escuro, a contrastar com cores mais vivas, como o rosa e vermelho, e nos estampados com uma amálgama de traços faciais e alguns “rabiscos” pelo meio. De uma forma mais subtil, algumas peças aludiam para os anos 1970, pela escolha de cores, cortes em boca de sino e tecidos aveludados.

Katty Xiomara juntou-se ao artista plástico português João Jass, para fotografar a colecção no seu estúdio. Trabalhar em conjunto com outro artista “é muito mais especial”, comenta. “Faz com que haja um dinamismo diferente, que não se fique só pela roupa ou só pelos quadros”. O artista acabou por se inspirar na colecção de Katty Xiomara e criou a série de quadros que decoravam a entrada da passerelle.

Se os primeiros criadores foram buscar inspiração à pintura, Diogo Miranda — que encerrou o último dia de desfiles — olhou mais para as artes decorativas. Há cinco anos que um antigo candelabro de família decora o atelier do criador, em Felgueiras, e foi nesta estação que se lembrou de o usar para dar vida à nova colecção. “Só nas colecções de Inverno é que tenho mais oportunidade de trabalhar a nível de volumes e formas, porque no Verão acabo por estar um bocado condicionado”, conta.

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Desfile de Diogo Miranda Ugo Camera

Em passerelle, os cristais reflectiam-se, por exemplo, nos brocados reluzentes num tom vermelho profundo e nos aveludados com um acabamento brilhante, bem como nas linhas rectas e cortes facetados. As saias mais volumosas, trabalhadas em plissados e folhos, e as mangas com “efeitos 3D” aludiam mesmo para a forma do candelabro. Os próprios decotes profundos apontavam para a forma dos cristais. Para o desfile, o criador usou alguns dos cristais para criar pendentes, que desfilaram com alguns dos coordenados.

Marcas e mão-de-obra qualificada

Com uma colecção que cruza o rock e o velho western, Luís Onofre atinge nesta estação a maioridade. Chama-lhe, por isso, “Over 18”. A fivela texana é o centro da colecção, enriquecida com materiais como cristais e pérolas. Apresenta ainda uma novidade: uma série de guarda-chuvas desenvolvidos em parceria com a marca italiana Pazoti.

Quase um ano depois da abertura da sua segunda loja, Luís Onofre diz que as expectativas eram altas e que “estão a corresponder”. “A nível externo, as coisas complicaram-se um bocadinho: há cada vez menos lojas multimarca. Significa que temos de abrir as nossas próprias”, comenta. “As lojas físicas vão ser sempre uma constante, disso não tenho a menor dúvida. Há um instinto básico da moda que é as pessoas gostarem de sentir as coisas.”

Com duas lojas posicionadas em zonas nobre de Lisboa e do Porto, o criador já está a pensar nos próximos passos. Abrir uma loja é sempre um risco e um investimento que tem de ser bem calculado, comenta, mas “passo a passo vamos fazê-lo”. “Estamos a pensar já em duas futuras. Não para já, mas eventualmente no próximo ano, para avançarmos com a internacionalização”, diz.

Recentemente eleito presidente da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS),  o criador foca duas das suas ambições para a indústria do calçado: mais marcas e mais mão-de-obra qualificada.

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Desfile de Luís Onofre

“O nosso calçado é absolutamente reconhecido como de excelência, mas não pelas marcas”, observa. “Eu queria focar mais em marcas”, a começar com o mercado norte-americano, indica ainda. Por outro lado, aponta também para a importância de atrair jovens para a indústria, já que a mão-de-obra é cada vez mais envelhecida. É crucial, aponta Onofre, que haja uma passagem de conhecimento para novas gerações. “Não há muitas pessoas a trabalhar a indústria, embora a indústria se renovado por completo.”

Grande parte do último dia de desfile do Portugal Fashion foi dedicado a marcas. Desfilaram primeiro, na mesma passerelle, as propostas do calçado nacional — Ambitious, Fly London, J. Reinaldo, Nobrand, Rufel e The Baron’s Cage — e, durante a tarde, foram apresentadas as colecções de Ana Sousa, Concreto, Lion of Porches e Dielmar.

Com chuva sempre à espreita, assim se concluiu a 42.ª edição do Portugal Fashion, que passou primeiro um dia por Lisboa, no novo terminal dos cruzeiros, e continuou durante mais três dias, no Porto.