Grupo BPN pode forçar aumento de capital na Montepio Seguros

A Associação Mutualista Montepio Geral, accionista da Montepio Seguros, poderá ter de aumentar o capital da Lusitânia Seguros, caso a venda da holding à CEFC China Energy não se concretize.

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Miguel Manso

Em 2017 a Lusitânia Seguros, do grupo Montepio, entrou num quadro de desequilíbrio financeiro em resultado da sua exposição à Real Seguros, um dos activos tóxicos do antigo BPN. Isto, porque o auditor externo KPMG exige à seguradora não vida que anule 38,3 milhões de euros ao seu valor patrimonial, o que somado aos prejuízos de 10,6 milhões, aproximam os capitais próprios da linha vermelha.

Sete anos depois da aquisição da Real Seguros ao BPN, o PÚBLICO confirmou em documentos que a KPMG pede a Fernando Nogueira, que preside desde 2012 à Lusitânia Seguros, que corrija de forma acentuada as contas de 2017. E que o faça por três razões (ênfases às contas): como a Real Seguros tem um valor residual e não se espera que venha a valorizar-se no futuro, o goodwill de 18,6 milhões de euros deve ser anulado; a carteira de seguros da Real Seguros tem uma imparidade de 7,7 milhões, montante que deve ser abatido às contas; dado que a Lusitânia Seguros acumula prejuízos há mais de seis anos, e as expectativas de vir a ter lucros são baixas, os activos por impostos diferidos devem ser reduzidos em 12 milhões de euros. Desde 2012 que a Lusitânia Seguros apura prejuízos que já totalizam 115,6 milhões de euros.

Em síntese: a KPMG requere a Fernando Nogueira que ajuste o valor patrimonial da empresa em menos 38,2 milhões de euros. Contas feitas: se aos 38,2 milhões de euros se somarem os prejuízos de 10,6 milhões de euros (que a Lusitânia está ainda a contabilizar a título provisório), os capitais próprios caem para o nível crítico de 2,2 milhões de euros, o que pode levar o supervisor a exigir reforços de capital para colocar os rácios nos patamares regulamentares (em 2016, a Lusitânia Seguros fechou o exercício com capitais próprios positivos de 51,1 milhões de euros).

A venda dos 60% da Montepio Seguros (que vai incluir a Lusitânia Vida, Lusitânia Seguros, N Seguros, mas deixa de fora a Futuro, a sociedade gestora de fundos de pensões) à CEFC China Energy, oferta ainda em análise na Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundo de Pensões, daria fôlego financeiro à holding e aliviava os 630 mil mutualistas da pressão das operações deficitárias. Mas a transacção tornou-se uma incógnita, depois de o grupo chinês ter passado para a esfera estatal, após a detenção de Ye Jianming, o seu fundador e presidente. O que também torna incerto o negócio de compra dos activos petrolíferos (Partex) da Fundação Gulbenkian, a que tem sido atribuído o valor de 500 milhões de euros.  

O quadro de degradação da área seguradora não vida do Montepio já está espelhado nas contas individuais da Associação Mutualista de 2017, onde se reconhece uma imparidade adicional de 80 milhões de euros associada às empresas deficitárias Lusitânia Seguros e N Seguros.

No balanço da AMMG, a holding Montepio Seguros está registada por 255 milhões de euros, mas “retirando” os 149 milhões de euros de imparidades (já com os 80 milhões de euros incluídos), vale 106 milhões de euros. O que fica longe dos 150 milhões colocados em cima da mesa, a 27 de Novembro de 2017, quando Tomás Correia e Fernando Nogueira se deslocaram a Xangai para celebrar o acordo de venda de 60% da Montepio Seguros (que, opor acaso, tem sede em Lisboa). 

Tal como avançou o PÚBLICO a CEFC China Energy pediu revisão da avaliação da holding seguradora, que ficou agora registada em cerca de 100 milhões, o que traduz que 60% da empresa valem agora 60 milhões de euros. Parte do valor que a CEFC se propõe injectar na Montepio Seguros será para reforçar a Lusitânia ramos reais (automóvel, acidentes de trabalho, seguros de doença, habitação, viagem ou acidentes pessoais) quando as contas forem emendadas. 

O ponto de viragem na degradação da área seguradora do Montepio deu-se com a aquisição, em 2009, da Real Seguros que pertencia ao BPN. Uma empresa que custou aos 630 mil associados do grupo mutualista 42,5 milhões de euros: pagaram 7,5 milhões e injectaram logo 35 milhões. Este investimento foi articulado entre o Montepio, o então Instituto de Seguros de Portugal, à época chefiado por Fernando Nogueira, e o Governo de José Sócrates. O que se percebe. O ambiente era de crise financeira e a Real Seguros estava em situação de pré-bancarrota, e a absorção pelo grupo encabeçado por Tomás Correia aliviou as autoridades de problemas.

Aliás, nas contas de 2011, o então presidente da Lusitânia Arez Romão deixou escrito: “É do conhecimento geral” que a Real pertencia ao BPN “e, naturalmente, o seu modo de aquisição, composição da carteira, estrutura e valorização não diferia do modelo de gestão daquele grupo.” E “não admira, pois, que para além das imparidades continuamente registadas se verifique que mais de cem milhões de activos incorporados registem rendimento negativo”, onde se “inserem tanto os activos mobiliários como os imobiliários, sem uma única excepção.

Um ano depois da compra da Real Seguros, o Montepio tomava, em 2010, outra decisão explosiva, mas desta vez para a Caixa Económica Montepio Geral, comprando o Finibanco à família Costa Leite. Neste caso os 630 mil associados tiveram de desembolsar 341 milhões de euros por um activo cujo legado ainda hoje pesa nas contas do banco, obrigado a criar um modelo de negócio para o qual não estava preparado e que levou a vários aumentos de capital. E de novo uma transacção autorizada pelo supervisor, o BdP, com Vítor Constâncio à frente, e combinada pelo Governo. De outro modo, o Finibanco podia colapsar, criando outro imbróglio financeiro, numa fase em que as autoridades lidavam com as falências do BPN e do BPP. 

A 12 de Março de 2018, Tomás Correia emitiu um comunicado que foi reproduzido pela comunicação social, a revelar que a Associação Montepio tinha fechado as contas consolidadas de 2016, com capitais próprios negativos de 250 milhões. Dois dias depois, a documentação legal colocada no seu site oficial, para ser votada na próxima Assembleia Geral, agendada para 28 deste mês, avançava com novo número. Na página 28 do balanço consolidado da AMMG de 2016 pode ler-se que o “total de capitais próprios atribuíveis à AMMG” é “de 346.644 milhões de euros negativos”. Ou seja, em linha com o noticiado pelo PÚBLICO a 28 de Fevereiro (“as contas consolidadas de 2016 poderão revelar capitais próprios negativos entre 300 e 350 milhões de euros”) e a 10 de Março  (as contas consolidadas de 2016 deverão “mostrar capitais próprios negativos que podem atingir os 346 milhões”).

Notícia corrigida às 14h41

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