PCP, BE e PAN unem-se na defesa de um organismo autónomo para as drogas

Projectos de resolução são discutidos esta sexta-feira no Parlamento. Governo ainda não divulgou a sua decisão quanto ao novo modelo organizativo para a área dos comportamentos adictivos.

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A actual fragmentação das respostas na área das drogas e nas dependências poderá conhecer esta sexta-feira novos desenvolvimentos com a discussão, no Parlamento, dos diferentes projectos de resolução do PCP, do BE e do PAN que se uniram na defesa da recriação de uma estrutura que aglutine todas as competências na área, do planeamento à intervenção no terreno. A ideia é, seis anos depois de uma experiência que todos reconhecem ter falhado, voltar a retirar os serviços da alçada das administrações regionais de saúde (ARS).

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A actual fragmentação das respostas na área das drogas e nas dependências poderá conhecer esta sexta-feira novos desenvolvimentos com a discussão, no Parlamento, dos diferentes projectos de resolução do PCP, do BE e do PAN que se uniram na defesa da recriação de uma estrutura que aglutine todas as competências na área, do planeamento à intervenção no terreno. A ideia é, seis anos depois de uma experiência que todos reconhecem ter falhado, voltar a retirar os serviços da alçada das administrações regionais de saúde (ARS).

Descontadas algumas nuances, o que os diferentes partidos recomendam ao Governo é assim uma espécie de regresso ao modelo que vigorou até ao início de 2012, em que o extinto Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) aglutinava todas as responsabilidades, do desenho das políticas ao tratamento e à reinserção, passando pela prevenção e pela redução de danos associados às dependências da droga e do álcool. Dotado de autonomia técnica e financeira, o IDT conseguiu, à boleia também da descriminalização do consumo, erguer o chamado “modelo português” - internacionalmente apontado como exemplo a seguir.

“O que o PCP defende é que a resposta aos problemas das dependências volte a ser integrada em todas as suas vertentes, de forma a garantir respostas uniformes, coordenadas por uma única entidade, sob pena de o famoso ‘modelo português’ deixar pura e simplesmente de existir”, enunciou ao PÚBLICO a deputada comunista Carla Cruz.

Do BE, Moisés Ferreira refere-se à actual fragmentação dos serviços e à respectiva degradação das respostas (que levou, aliás, à demissão de vários coordenadores na região Norte e a um aumento generalizado das listas de espera, nomeadamente nos serviços de alcoologia) para lembrar que o que urge é “encontrar um novo modelo, uma nova estrutura que, mais ou menos verticalizada, garanta a articulação e a integração das respostas no terreno”.

No final de 2011, recorde-se, a reboque das medidas de austeridade, o Governo liderado por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, extinguiu o IDT, criando em seu lugar o actual Serviço de Intervenção nos Comportamentos Adictivos e nas Dependências (SICAD). As respectivas competências foram consequentemente pulverizadas entre a nova direcção-geral e as cinco ARS. Na prática, o SICAD ficou reduzido às suas funções de planeamento e monitorização, tendo as ARS absorvido tanto os técnicos do IDT como as competências no tratamento. Em cada uma destas estruturas foi criada uma Divisão de Intervenção nos Comportamentos Adictivos e nas Dependências (DICAD) e os Centros de Respostas Integradas (CRI) substituíram os antigos centros de atendimento a toxicodependentes.

Em resultado disso - e também porque a integração nas ARS se ficou pelos “aspectos administrativos”, segundo os profissionais do sector -, os serviços passaram a ter uma coordenação “bicéfala e muito fragmentada”. O que levou a uma degradação das respostas aos utentes e ao abandono de um padrão assistencial simétrico e consistente e aumentou a desmotivação dos profissionais, ao ponto de, tal como o PÚBLICO noticiou em Novembro, os 13 coordenadores dos serviços da região Norte, agastados com a situação de “ingovernabilidade” criada, terem apresentado a demissão. Este cenário sombrio fora já traçado em Janeiro do ano passado, quando o chamado Grupo de Aveiro reuniu cerca de 650 assinaturas de profissionais da área para reivindicar, junto do ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, o regresso ao modelo antigo, isto é, a aglutinação numa única organização de todas as competências na área dos comportamentos adictivos, da definição de estratégias à operacionalização das políticas e ao tratamento dos utentes.

O Governo acedeu a fazer o levantamento das consequências da extinção do IDT e a avaliar as condições para a criação, no âmbito da administração pública, de uma entidade que, à semelhança daquele instituto, dispusesse de total autonomia administrativa e financeira. O grupo de trabalho criado para o efeito emitiu um primeiro relatório inconclusivo quanto ao melhor caminho a seguir, apesar de os membros que o compuseram concordarem na ineficácia da integração nas ARS nos moldes actuais, após o que lhes foi pedido um segundo relatório. Este documento já foi entregue ao secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Fernando Araújo, mas as respectivas conclusões nunca foram tornadas públicas.

A decisão sobre o modelo organizativo para a área das drogas, que Fernando Araújo atirara para o início de 2018, continua assim a marinar. Numa altura em que, como aconteceu no final do ano na Unidade de Alcoologia do Centro, os serviços chegaram a encerrar por escassez de profissionais, com o consequente aumento das listas de espera, os projectos de resolução do PCP, BE e PAN comungam assim do objectivo de acelerar uma decisão.

Salas de consumo assistido e drug checking

O que o PCP recomenda é a criação de uma entidade “com quadro de autonomia administrativa e financeira que tenha como missão a coordenação, o planeamento, a investigação e a intervenção no combate à toxicodependência, ao alcoolismo e a outras dependências, que integre as vertentes da prevenção, da dissuasão, da redução de riscos e da minimização de danos, do tratamento e da reinserção social”. Os comunistas querem ainda que o Governo faça um levantamento dos “constrangimentos no acesso ao sistema de prestação de cuidados, do tratamento e da reinserção social” e contrate os profissionais em falta nos diferentes serviços.

A ampliação da rede pública de serviços na área das dependências é outra das reivindicações comunistas, a par do licenciamento e acompanhamento das respostas que existam no sector privado, com a possibilidade de celebração de contratos de convenção numa perspectiva de complementaridade. O PCP sugere, por último, que, enquanto estas respostas não avançarem, os CRI, bem como as unidades de desabituação e as unidades de alcoologia, devem manter-se autónomos.

Alertando para “os custos sérios” do actual desinvestimento e fragmentação dos serviços, o BE recomenda, além da criação do referido organismo único, que o Governo avance com as salas de consumo assistido e com os serviços de drug checking (análise de substâncias que permite ao consumidor conhecer a composição daquilo que comprou no mercado não-regulado). Os bloquistas querem, por último, que o Governo trate de estender as políticas de redução de danos às prisões.

Do lado do PAN, o deputado André Silva defende também uma “entidade especializada na intervenção em comportamentos adictivos e dependências, de âmbito nacional e verticalmente organizada, integrada no Ministério da Saúde” que seja capaz de assegurar “uma resposta pública mais eficaz e eficiente”. Isto porque conclui que só assim “é possível concretizar plenamente o direito à saúde” e uma equidade longe das actuais “assimetrias regionais” no acesso aos tratamentos que penalizam os utentes.