Bruno de Carvalho é mais unânime mas ainda lhe falta o título

Chegou à liderança do Sporting há cinco anos e encerrou de vez com uma linhagem de líderes mais institucionais. O seu estilo musculado e polémico incendiou o já quente futebol português.

Bruno de Carvalho aplaude os adeptos no relvado
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Bruno de Carvalho aplaude os adeptos no relvado Nuno Ferreira Santos
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Os adeptos do Sporting têm apoiado Bruno de Carvalho evr Enric Vives-Rubio
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Bruno de Carvalho Bruno Simoes Castanheira (colaborador)
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Bruno de Carvalho ainda não conquistou um título de campeão nacional de futebol daniel rocha
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Jorge Jesus foi a grande aposta de Bruno de Carvalho para chegar ao título no futebol LUSA/MÁRIO CRUZ

No final do século passado, quando José Roquette conduzia os destinos do Sporting, deixou escapar uma frase esclarecedora sobre o seu distanciamento em relação ao futebol do clube. Disse que comunicava com o então treinador, Octávio Machado, por “sinais de fumo”. Nos quatro anos em que presidiu os “leões” (1996-2000), nunca escondeu que o desporto-rei extravasava as suas competências de gestor, preferindo delegar aquela responsabilidade. Os seus sucessores, que deram continuidade ao projecto com o seu nome, até 2013, não se afastaram muito dessa linha, com escassas excepções. Uma longa distância afastava a tribuna presidencial do relvado onde a bola rolava. Com a chegada de Bruno de Carvalho esse fosso deixou de existir. Literalmente. Os treinadores passaram a sentir bem perto do pescoço os vapores do cigarro electrónico de um presidente que é também um adepto e com quem passaram a partilhar o banco técnico, até muito recentemente.

Tudo começou há cinco anos, quando os sócios desesperados pela grave crise financeira e desportiva, entregaram as chaves do clube a um jovem empresário, descomprometido com o passado, que anunciava ir romper com certas tradições de um emblema orgulhoso da sua génese aristocrática.

Os sportinguistas que o levaram à presidência a 23 de Março de 2013 não estavam propriamente a dar um salto no escuro. Dois anos antes, o empresário tinha deixado bem claras as suas intenções ao sair do anonimato para disputar as eleições taco-a-taco com o candidato do “sistema” (a tal linhagem roquettista) Godinho Lopes, numas eleições marcadas pela polémica. Hoje, é mais unânime do que nunca em Alvalade, apesar de ainda não ter interrompido um longo jejum de títulos do campeonato. Já nas modalidades, tem somado vários sucessos e, o ano passado, cumpriu outras das suas promessas eleitorais ao inaugurar o Pavilhão João Rocha, o que permitiu o regresso das modalidades a Alvalade.

Sporting “descomplexado”

“As últimas direcções têm demonstrado um Sporting cheio de complexos”, acusou Bruno de Carvalho quando se apresentou pela primeira vez aos sócios “leoninos”, a 7 de Fevereiro de 2011. “Complexos” ao nível da “gestão”, em relação às “arbitragens”, “rivais”, “credores”, “parceiros” e até aos “sócios”. O empresário apontava um “novo caminho” e os adeptos foram aderindo, primeiro timidamente, depois em massa.

Esse “novo caminho” passava, desde logo, por uma profunda transformação da figura do presidente. Terminavam a tradição de líderes mais cordatos para dar lugar a um exercício de poder bem mais musculado, sem cedências ou cavalheirismo para os adversários externos ou internos. A via presidencialista tomou conta do clube, que deixou de ter um colégio de notáveis a discutir as decisões. Bruno de Carvalho é a única voz para o clube e para a SAD (Sociedade Anónima Desportiva) que controla o futebol.

Se para o adepto sportinguista mais conservador ainda é difícil imaginar o seu presidente a festejar com os jogadores no relvado ou a dar largas à sua agressividade com tudo o que se atravessa no seu caminho, muitos outros tomaram gosto à personalidade. Fora do clube, a crítica e a censura ao seu estilo trauliteiro é quase geral, mas com honrosas excepções. “Eu, muitas vezes, sinto que sou Bruno de Carvalho. Eu estou a vê-lo a vencer a Taça de Portugal e a ir pegar em jogadores ao colo e penso: 'se fosse presidente do Benfica, era exactamente isto que eu faria'”, confessou, recentemente, o humorista e assumido sócio “encarnado” Ricardo Araújo Pereira.

“Descomplexadamente”, como prometido, o “novo” Sporting de Bruno de Carvalho passou a ser um agente ruidoso no desporto nacional. Com uma pesada herança das direcções anteriores, que se traduziram numa insustentável crise financeira e desportiva (a equipa terminaria a temporada de 2012-13 num inédito sétimo lugar do campeonato, a sua pior classificação de sempre na prova), o presidente, actualmente com 46 anos, começou a mostrar serviço em pouco tempo.

A reestruturação financeira

Um dos seus principais méritos envolveu a reestruturação da sufocante dívida bancária, que asfixiava os cofres do clube, com impacto nos orçamentos para o futebol e a consequente competitividade do futebol profissional. O processo teve avanços e recuos mas o recém-eleito presidente fez valer os interesses do Sporting.  

“A reestruturação financeira teve efeitos positivos”, garantiu ao PÚBLICO o economista António Samagaio. “Parte da dívida bancária, mais de 127 milhões de euros, foi transformada em VMOC (Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis em acções, no caso da SAD, que foram entretanto renegociadas e alcançam a maturidade em 2026), o que implica que não esteja sujeita a pagar juros.”

É claro que o clube terá de reservar capital nos oito anos que restam até à maturação das VMOC para manter a maioria de capital da SAD, mas poderá sempre voltar a renegociar com os bancos que as detêm e voltar a adiar a questão. No curto prazo, esta medida levou a um considerável desafogo financeiro com o serviço da dívida (juros), permitindo os actuais níveis de investimento no futebol.

Sem surpresas, Bruno de Carvalho promoveu também, rapidamente, uma auditoria às gestões anteriores, outra das suas grandes bandeiras eleitorais, não poupando os seus antecessores, com denúncias de irregularidades e “gestão danosa”. Ao mesmo tempo, comprou guerras com os seus directos adversários, FC Porto e Benfica, mas também com as principais instâncias desportivas nacionais, tendo a arbitragem como pano de fundo.

Sempre sem fugir ao seu estilo conflituoso, suportado por uma linguagem condicente, popular, muitas vezes a roçar a vulgaridade. Os adeptos aprovaram a postura e mostraram-no nas urnas. Três meses depois de assumir a presidência viu a “sua” reestruturação financeira ser aprovada por 97% dos sócios, naquele que terá sido a primeira “referendo” à sua popularidade. Também sem pasmo, em Março do ano passado, seria eleito para um segundo mandato, com 86,13% dos votos.

E tudo sem ser cumprida a promessa de vencer um campeonato nos cinco anos que leva no leme sportinguista. Apesar de tudo, a equipa passou a ombrear, de forma mais consistente, com os seus adversários directos, acabando por amealhar uma Taça de Portugal, uma Taça da Liga e uma Supertaça. Na principal prova, o melhor que alcançou foram dois segundos lugares (2013-14 e 2015-16), o último a apenas dois pontos do campeão Benfica.

A bombástica contratação de Jorge Jesus, retirado ao rival Benfica, implicou também um enorme investimento no futebol e uma alteração da política de contenção de custos seguida até então. “Em termos comparativos, na época desportiva 2014-15 (com Marco Silva como treinador) os custos com pessoal ultrapassavam ligeiramente os 26 milhões de euros, enquanto no final da época 2016-17, chegaram quase aos 65 milhões de euros. Este é o efeito da aposta no reforço do plantel e com a nova equipa técnica”, explica Samagaio.

Mais receitas e lucros

O economista salienta também o facto de o clube ter passado a gerar mais receitas, nomeadamente as extraordinárias resultantes das transferências de jogadores, mas também ao nível da bilheteira e direitos televisivos. “A última temporada [2016-17] foi bastante positiva, com as contas consolidadas do universo Sporting a registarem um resultado líquido de 35 milhões de euros.” Um valor que contrasta com os anos desportivos anteriores e que se explica pelas vendas de importantes activos da equipa de futebol como Slimani ou João Mário.

Já ao nível da bilheteira, as receitas duplicaram desde que esta direcção tomou posse. “Na temporada de 2012-13 representavam cerca de 9,4 milhões de euros e na última [2016-17] atingiram os 16 milhões. Há claramente um efeito positivo nas assistências no estádio”, concluiu Samagaio. O mesmo sucedeu com a cedência dos direitos para as transmissões televisivas dos jogos de futebol, que passaram de 11 milhões de euros (2012-13) para os actuais 23 milhões de euros por temporada.

No reverso da medalha encontra-se a dívida financeira do Sporting, que praticamente não sofreu alterações nas últimas épocas, estimada em 351 milhões de euros no final do ano desportivo de 2016-17. Também os capitais próprios continuam negativos, mantendo-se uma situação de falência técnica.

As “guerras”

Sempre debaixo dos holofotes mediáticos, Bruno de Carvalho concentra muita da pressão que envolve a equipa de futebol, usando sem parcimónia todas as ferramentas comunicacionais ao seu dispor, sejam as redes sociais ou a televisão oficial do clube, que lançou em 2014, cumprindo mais uma promessa eleitoral. As polémicas e os excessos são uma imagem de marca.

Da rescisão unilateral dos contratos com a empresa de fundos de investimento Doyen (que acabou por vencer o diferendo na disputa legal que se seguiu), à denúncia pública do “caso dos vouchers”, onde procurava expor um esquema de ofertas do rival Benfica aos árbitros (um processo arquivado pela justiça desportiva, mas que continua sob investigação judicial), passando pelo diferendo com o treinador Marco Silva e a contratação de Jorge Jesus, Bruno de Carvalho tem alimentado generosamente o clima de crispação que se tem vivido no futebol português nos últimos anos.

Já as suas constantes “guerras” com os media atingiram o auge em Fevereiro, no final da tal AG da consagração da sua liderança, quando apelou aos adeptos para boicotarem uma lista de órgãos de comunicação social.

“O Sporting sempre foi, tradicionalmente, um clube elitista, fundado pela aristocracia. A partir do momento em que chega um presidente que quebra com este género de dinâmica e estratificação social é alvo de críticas e conotações justas ou injustas”, defendeu ao PÚBLICO o historiador Francisco Pinheiro. Uma postura que não é estranha a outros clubes nacionais, mas que só pode encontrar algum paralelismo nos “leões” durante as presidências de João Rocha (1973-1986), de quem Bruno de Carvalho se diz herdeiro, ou Sousa Cintra (1989-1995).

Resta saber se manterá os actuais índices de aprovação interna caso persista o deserto de títulos na principal prova nacional. Leonardo Jardim e Marco Silva falharam o ataque ao título, Jorge Jesus tem a terceira oportunidade. Se o veterano treinador falhar, poderá compensar a frustração nas hostes “leoninas” com a conquista de uma Liga Europa, já que mesmo a Taça de Portugal poderá ser insuficiente para garantir a sua permanência em Alvalade. Mas será ainda cedo para os sócios pedirem responsabilidades ao seu presidente.

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