"Em determinados momentos senti que o TC interferia na política"

Após visitas regulares a prisões, a Provedora tem feito chegar relatórios às autoridades sobre as deficiências que encontra. Mas as indemnizações dos incêndios têm absorvido a sua energia.

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Maria Lúcia Amaral foi juíza do Constitucional durante dez anos Rui Gaudêncio

Maria Lúcia Amaral quer deixar ao seu sucessor uma instituição com uma identidade forte, que seja a advocacia do cidadão, e acredita que as suas decisões que tomou enquanto juíza do Tribunal Constitucional não são contraditórias com o papel que desempenha actualmente.

Tem sentido que os cidadãos recorrem mais à sua "advogada"?
Houve um ligeiro aumento. Os cidadãos recorrem muito e em relação a temas muito diversos, sendo que a acção do provedor não é só pautada pelas queixas. Há pouco tempo alertaram-me para o problema grave que estamos a ter quanto aos estrangeiros que não conseguem entrar em Portugal que vêm acompanhados por crianças - e que ficam muitas vezes detidos em circunstâncias de instalação e de assistência médica precárias. É meu dever estar atenta.

O que vai fazer?
Dar publicamente nota disso. Depois, dentro das minhas competências, no âmbito do Mecanismo Nacional de Prevenção, tenho poderes para ir visitar e fiscalizar estes sítios sem aviso prévio. E dar disso nota aos poderes públicos, desde logo à Assembleia da República.

Os sucessivos relatórios internacionais, nomeadamente do Conselho da Europa, denunciam situações de sobrelotação nas cadeias e de violência policial. Enquanto Autoridade Nacional dos Direitos Humanos acha preocupante? O que tem feito e tenciona fazer?
Visitas regulares a estes estabelecimentos prisionais feitas na sequência do recebimento de queixas de reclusos. Relatórios dessas visitas e chamadas de atenção ao poder responsável quanto a essas deficiências. Agora, a dificuldade desta advocacia do cidadão é que a realidade não é a preto e branco.

Sente-se uma advogada do cidadão, mas quando foi juíza do Tribunal Constitucional várias vezes apoiou as medidas de austeridade, por vezes mesmo isolada dos seus colegas. Não há aqui algo de contraditório?
Não há nada de contraditório, pelo contrário. Há aqui uma enorme coerência. A minha dissensão em relação a algumas decisões do Tribunal Constitucional durante aquele período está fundamentada, tem a ver com um ponto: quem julga, julga em função do direito que deve aplicar. Eu entendi que em determinados pontos o juiz constitucional interferia na definição de uma política, que podia e devia ser livremente levada a cabo por quem ganhou as eleições. Em algumas decisões eu entendi que havia essa interferência e justifiquei porquê. Enquanto advogada do cidadão, estou aquém dos tribunais e além da política. Aquém dos tribunais porque paro perante conflitos que já estejam no poder judicial. Além da política porque, mais uma vez, não interfiro nas questões de definição de políticas públicas que não lesem direitos básicos e que devam ser levadas a cabo por quem ganhou as eleições.

Dos diplomas que têm vindo a ser aprovados por este Governo e promulgados pelo Presidente nenhum lhe tem suscitado dúvidas? 
Até agora, não. Tomei posse a 2 de Novembro e até agora não requeri ao Tribunal Constitucional nenhum pedido de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Para requerer, preciso de ter a certeza. O processo de indemnizações dos incêndios tem sido de tal ordem absorvente que tem tido prioridade máxima na minha actuação e portanto não prestei suficiente atenção a dossiers quanto ao acompanhamento da legislação que pudesse colocar dúvidas de inconstitucionalidade. Não me sinto particularmente afectada com isso na minha consciência, porque não tenho o monopólio dessa competência - ao passo que tinha o monopólio da competência dos incêndios.

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