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O irreverente fotógrafo da “velha escola” que dispara sobre Lisboa

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Rui Palha não é fotógrafo profissional, mas podia ser. "É uma opção", disse ao P3, em entrevista. "Sê-lo pressuporia uma 'submissão' a um certo número de condicionantes", algo que o conduziria à perda "do poder de ser criativo e independente de tudo e de todos", como gosta de ser. "Deste modo, faço só o que gosto e quero — e não o que os outros querem que eu faça", remata.

 

O irreverente fotógrafo de rua começou a disparar nas ruas de Lisboa aos 14 anos, em 1967, munido de uma câmara analógica Minolta de 16mm. Hoje, com 64 e rendido ao digital, mantém a velha máquina numa prateleira — mas não sem “uma certa nostalgia”. “Por vezes, apetece-me pegar nela, ir com ela para a rua. Mas, e depois, entrego o filme para revelar a quem?” Já não dispõe, como outrora, de uma câmara escura e do equipamento necessário para a revelação dos filmes. “E não tenho paciência para esperar pelo resultado do que fiz num determinado dia”, desabafa. Atreve-se mesmo a escrever o que que considera, de certo modo, "uma blasfémia”: “Acredito que Henri Cartier-Bresson, se fosse vivo, também usaria digital”.

 

Rui é um fotógrafo da velha guarda, da “velha escola” da fotografia de Cartier-Bresson, Winogrand e Nachtwey. Aprender com os clássicos “foi fundamental”, assegura. “Só se pode ter a noção de uma verdadeira escala de cinzentos quando já se passou pelo filme. E o diapositivo [também conhecido por slide], por exemplo, obrigava a uma disciplina de enquadramento levada ao extremo. Nessa altura não havia cortes, reenquadramentos. Ou se enquadrava bem ou o diapositivo ia, necessariamente, para o lixo.” E muitos fotogramas terão tido esse destino até Rui ter aperfeiçoado a sua técnica. Hoje, mais de 95% das suas imagens preservam o enquadramento original. “O que fotografo é o que mostro”, garente. “A fotografia deve estar boa no momento do clique. Se não estiver, não há Photoshop que lhe valha, o melhor é deitá-la fora.” O fotógrafo é crítico da possibilidade do disparo contínuo, exagerado e gratuito que é proporcionado pelo digital. E do facto de, “em Portugal, haver dez milhões de habitantes e dez milhões de fotógrafos”. Como aspecto positivo da fotografia digital, realça a competição renhida e saudável que se estabelece, hoje em dia, entre fotógrafos de todo o mundo, a nível criativo. "Só meia dúzia deles terão sucesso."

 

Rui não se deixa intimidar pelas novas tecnologias, como acontece a muitos que são "da velha escola" — o que talvez encontre explicação no facto de ter sido consultor de tecnologia informática durante quase toda a vida. “A Internet é muito importante para mim e não apenas para difundir o meu trabalho”, refere. ”Vejo muita fotografia de muitos fotógrafos do mundo. Aprendo imenso.” Em Setembro de 2010 criou uma página no Facebook, onde passou a partilhar, regularmente, o seu trabalho; hoje, a página é seguida por mais de 350 mil pessoas. No Instagram, @rui_palha reúne mais de 20 mil seguidores — número que reflecte uma adesão tardia à aplicação, que data de Maio de 2016. A popularidade, porém, afigura-se-lhe como um verdadeiro mistério. “Aconteceu naturalmente, desconheço as razões (…). Foi acontecendo ao longo de vários anos, talvez pelo facto de eu ter fotografias em alguns sites de grande dimensão”, adivinha.

 

Hoje, o lisboeta encontra-se aposentado. “Agora posso dedicar-me à fotografia a tempo inteiro. A fotografia de rua é e será o meu projecto permanente enquanto tiver pernas e saúde para a executar.” Tem outros projectos, de cariz social, em bairros ditos “problemáticos” dos arredores de Lisboa — onde também fotografa regularmente. Mas é na prática "do jogo de formas/arquitectura, luz/sombra" que se sente feliz, inteiro — em Lisboa e noutras cidades também. "A fotografia é descobrir, é captar, é dar vazão ao que o coração sente e vê num determinado momento; é experimentar, conhecer, aprender e, essencialmente, praticar a liberdade de ser, de estar, de viver, de pensar.” E, enquanto assim for, Rui Palha irá continuar a disparar.