Novas regras de limpeza florestal não têm “base técnica e científica adequada”

No relatório tornado público na terça-feira, a comissão técnica independente considerou o Decreto-Lei de 14 de Fevereiro "muito pouco justificado tecnicamente".

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A nova legislação pode ter “efeitos contrários aos desejáveis” Adriano Miranda

A comissão técnica independente responsável pelo relatório de análise aos incêndios de Outubro de 2017 tornado público esta terça-feira considerou que as novas regras de gestão dos combustíveis florestais podem ter “efeitos contrários aos desejáveis”. Apesar de só ter mandato para analisar os fogos de 14 a 16 de Outubro, a comissão técnica abriu uma excepção para avaliar e criticar o Decreto-Lei de 14 de Fevereiro que considera "muito pouco justificado tecnicamente".

“A expectativa de que a gestão de combustível na interface pudesse conter por si a propagação dos incêndios não é razoável”, lê-se no relatório. A comissão independente considera que as novas regras são "um exemplo de deficiente uso do conhecimento existente e de uma comunicação pública muito pouco rigorosa". "É pena que estas deficiências prejudiquem o enorme esforço feito e a enorme capacidade de mobilização (nunca verificada a este nível), da sociedade em geral, provocada por estas medidas e pelas suas formas de divulgação", lê-se no relatório, apresentado ao Parlamento na terça-feira.

Os técnicos criticam a falta de “base técnica e científica adequada” na determinação de regras a gestão dos combustíveis florestais. Se não forem alteradas, a nova legislação não garante que episódios como os de 2017 não se repitam: a sua eficácia esperada é “reduzida”, lê-se no relatório.

Uma das maiores críticas da comissão independente é a falta de clareza na definição dos limites de continuidade e altura de combustíveis arbustivos e subarbustivos. 

Exemplo disso é a falta de definição da distância prevista entre as copas das árvores e volume de matos e arbustos no solo. "Sem uma boa definição desses limites a legislação pode ter o efeito contrário ao desejável", alerta a comissão.

Sobre o volume de matos e arbustos no solo, a Comissão escreve ainda que "elevadas cargas de material morto [combustível] ao nível do solo podem conduzir a comportamentos extremos de fogo, muito mais difíceis de controlar que os que podem ocorrer nas mesmas condições em povoamentos com elevadas densidades de arvoredo desramado".

"Depois de corrigidas as assinaladas deficiências técnicas, deverá constituir-se numa excelente referência para futuras iniciativas no âmbito da Protecção Civil, nomeadamente para a circulação de informação e preparação das pessoas para a sua auto-protecção ou para a diminuição de comportamentos de risco", sugere o relatório.

Inserido no Orçamento do Estado para 2018, o Regime Excepcional das Redes Secundárias de Faixas de Gestão de Combustível, que introduz alterações à lei de 2006 do Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios, indica que, até 15 de Março, "os proprietários, arrendatários, usufrutuários ou entidades que, a qualquer título, detenham terrenos confinantes a edifícios inseridos em espaços rurais, são obrigados a proceder à gestão de combustível".

Em caso de incumprimento do prazo de 15 de Março, os proprietários ficam sujeitos a processos de contra-ordenação, com coimas, que podem variar entre 280 euros e 10.000 euros, no caso de pessoa singular, e de 3.000 euros a 120.000 euros, no caso de pessoas colectivas. Contudo, no dia 15 de Março, o primeiro-ministro anunciou que não vão ser aplicadas coimas relativas à limpeza das matas se estas estiverem concluídas até Junho.

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