Enquanto o Governo dormia

Com este relatório sobre os incêndios de Outubro, fazemos a autópsia e terminamos o luto. Entrámos na Primavera, mas para termos um Verão diferente ainda falta tirar as lições.

É triste voltar a Outubro, àquele incêndio que nos tirou 48 vidas. É triste voltar ao luto, tantos meses passados sobre a segunda tragédia de 2017. Mas é sobretudo triste voltar atrás no tempo para confirmar o que já todos intuíamos: o Estado português voltou a falhar em Outubro, apenas quatro meses depois de ter falhado em Pedrógão.

Admitindo os fenómenos meteorológicos extremos, avisando até que eles não vão desaparecer e que já não há áreas imunes a incêndios, os técnicos independentes analisaram a tragédia e dizem-nos, sem meias palavras, que a primeira responsabilidade é do Estado, que se demitiu — ou mostrou incompetência. Falhou-nos, adormeceu com a chegada do Outono. Porque os meios não se desmobilizam em Outubro. Porque não valorizou o alerta do IPMA, que obrigava a uma prevenção alargada. Porque não tratou do Pinhal de Leiria, permitindo a destruição “impensável” de um património público histórico. Porque nem sequer decretou o “estado de calamidade” que usou em Agosto, quando as chamas de Pedrógão estavam mais presentes.

Era tudo inevitável? Não, não era. Depois de Pedrógão, o primeiro-ministro ignorou os avisos e ficou à espera do primeiro relatório dos técnicos para, depois, começar a corrigir os erros no terreno. Quis o destino que o relatório chegasse, que Costa não o tivesse lido logo — e que a segunda tragédia nos caísse nos braços. Ficando à espera do primeiro relatório, Costa ficou responsável pela necessidade de um segundo. 

E quem é que aprendeu com o tinha acontecido em Junho? A resposta do relatório podia ser lida com ironia — só que não é o caso: “A situação vivida com os incêndios da zona de Pedrógão Grande permitiu, nalguns casos, a adopção de comportamentos por parte das populações que beneficiaram do que aconteceu naquele exemplo.” Dito de outra forma, o Estado falhou, mas as populações aprenderam. Alguns, com isso, sobreviveram. 

Com este relatório, fazemos a autópsia e terminamos o luto. Este fim-de-semana, o Governo vai limpar as matas, para dar o exemplo e tentar abrir um novo capítulo na prevenção atempada de uma nova tragédia. Infelizmente, é apenas parte de um longo processo. Entrámos na Primavera, mas para termos um Verão diferente ainda faltam mais meios de combate aéreos, uma outra Protecção Civil, profissionalizar o combate, coordenar o combate no terreno. Tirar as lições. 

Recomecemos, portanto. Esperando que, com este segundo relatório, já ninguém possa adormecer.

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