Destruição na Porto Editora ameaça arranque do ano escolar

Grupo, que tem uma quota de 60% do mercado dos livros escolares, está à procura de encontrar soluções para a crise “mais grave de sempre”. Daqui a dois meses deveria estar a imprimir em velocidade cruzeiro os manuais escolares. Editora está empenhada “em fazer o possível” para dar resposta às encomendas.

Fotogaleria
Joana Gonçalves
Fotogaleria
Joana Gonçalves
Fotogaleria
Joana Gonçalves
Fotogaleria
Joana Gonçalves
Fotogaleria
Joana Gonçalves
Fotogaleria
Joana Gonçalves
Fotogaleria
Joana Gonçalves
Fotogaleria
Joana Gonçalves
Fotogaleria
Joana Gonçalves
Fotogaleria
Joana Gonçalves
Fotogaleria
Joana Gonçalves
Fotogaleria
Joana Gonçalves

Os prejuízos ainda estão por contabilizar, mas por certo ultrapassarão as dezenas de milhares de euros, só em custos de reparação das instalações e da maquinaria. E ainda falta contabilizar os prejuízos da perturbação de mercado. As encomendas online da Wook e da Bertrand, que seguiam para 90 países, não vão agora para lado nenhum. Das sofisticadas máquinas de impressão, que permitiam uma produção média de 80 mil livros por dia (chegam a ser 120 mil, quando estão a funcionar com três turnos), não sai um único livro desde a passada quarta-feira. E, arrisca-se a admitir Eduardo Viana, director de produção do grupo que comemora em 2018 os 74 anos de vida, é difícil acreditar que voltarão a produzir alguma coisa ainda este ano. 

Uma semana depois do “fenómeno climatérico extremo” que o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) ainda está a tentar catalogar, a poeira está longe de assentar naquelas instalações da Maia. O que é certo: vão ter de subcontratar gráficas, em Portugal e em Espanha, “e onde mais for preciso”, para dar resposta aos pedidos dos clientes. Vão reactivar instalações que estavam abandonadas, vão alugar armazéns e outros espaços logísticos para recolher equipamentos e materiais para reactivar a produção o mais cedo possível

Choque e júbilo

Foi ultrapassado o choque – “demorou uma questão de minutos, nem tivemos tempo de nos apercebermos do que é que estava a acontecer de facto”, diz Carla Azevedo, funcionária na recepção do edifício – e foi assimilado o júbilo. “Foi uma sorte tremenda não ter morrido aqui ninguém”, admite Paulo Gonçalves, responsável de comunicação do grupo. Agora resta-lhes olhar para a frente, arregaçar as mangas, e enfrentar os problemas: Pedro Alves, que divide a responsabilidade da produção do grupo com Eduardo Viana, admite que as noites têm sido curtas e “que tem acordado muito cedo, isto é, a meio da noite”, a pensar nas milhentas questões que têm para resolver.

Desde quarta-feira, às 11h05, que das instalações do Bloco Gráfico da Porto Editora, na Maia, o centro onde está o mais importante centro de produção e logística do grupo, que não se imprime, nem sai um único livro. Foi a essa hora que Carla Azevedo, sentada na portaria do edifício levantou a cabeça do telefone: “o vento estava em todas as direcções. Nem sequer estava a chover muito”. O impulso, perante um cenário que “ainda hoje custa a descrever, parecia fumo, a rodar em todas as direcções”, foi ligar para o piso superior, onde está o sector administrativo e os responsáveis da produção.

Eduardo Viana recebeu a chamada sem surpresa: toda a gente conseguia ouvir os estrondos que estavam a provocar os abalos da estrutura. “Não houve tempo, sequer, para accionar o alarme. Todos nos apercebemos que algo de grave estava a acontecer. A fábrica tem muitas saídas de emergência, todos sabiam o que fazer, ou, pelo menos, para onde fugir”, explica Eduardo Viana. Carla Azevedo corrobora: “É fundamentalmente para isso que servem os exercícios e os simulacros. Medo, temos sempre e não há nada que o impeça. Mas, ao menos, sabemos para onde temos de fugir”, explica a recepcionista.

O episódio durou menos de cinco minutos. A verdadeira lotaria foi nada ter desabado em cima dos funcionários. Estavam oitenta a trabalhar sob a estrutura que ruiu. O saldo final, em termos de danos físicos, foi de três feridos ligeiros, que receberam, tratamento hospitalar e tiveram alta no mesmo dia. A imagem dos “irredutíveis gauleses” desenhados por Uderzo e Goscinny, que não têm medo de nada, excepto que o céu lhes caia em cima da cabeça, faz aqui todo o sentido. A grande nave onde estava colocado o parque de dez máquinas de impressão e vinte de acabamentos, que ocupa uma área de 120x60 metros, pura e simplesmente abateu. O tal “fenómeno climatérico extremo” – ninguém se atreve a usar a palavra tornado, mas as descrições são feitas como se ninguém duvidasse que de um tornado se tivesse tratado – começou a sugar o telhado do armazém, e a abalar fortemente as estruturas. De tal forma que as vigas de betão e aço cederam, as paredes descolaram dos edifícios contíguos, o centro da fábrica colapsou, como se não houvesse paredes nem vigas a suportá-lo.

A área de produção, onde em 2017 se imprimiram cerca de 15 milhões de livros, está completamente inutilizada e tem a demolição como destino. Quando foi inaugurada, em 2010, o investimento anunciado foi de dez milhões de euros. Agora, o prejuízo não será de igual monta, porque há esperança de aproveitar algumas das máquinas. “Estas estão a ser desmontadas, vão ser tiradas daqui, para serem montadas outra vez, se for possível. Ainda não sabemos a extensão dos danos”, diz Eduardo Viana.

O responsável da produção diz isto ao PÚBLICO ao mesmo tempo que recebe mais uma visita, a de Fernando Oliveira, director de uma gráfica vizinha, a Maia Douro. Veio disponibilizar armazéns devolutos para receber algumas das máquinas para a Porto Editora as armazenar, ou até as colocar em funcionamento. Organizar toda esta logística é a parte mais difícil, admite Paulo Gonçalves: há mais gráficas e há capacidade de impressão em Portugal e em Espanha, mas nenhuma que dê a resposta integrada à capacidade de produção do grupo. “Aflige-nos, sobretudo, que não possamos ter o total controlo de qualidade. Foi a pensar nisso que centralizámos toda a produção aqui”, recorda Paulo Gonçalves.

Ano escolar afectado

O grupo Porto Editora tem uma quota de mercado de cerca de 60% do segmento dos manuais escolares e esta devia ser a altura em que começaria a preparar a operação para o próximo ano lectivo. Nomeadamente mandar amostras de manuais para as escolas poderem escolher qual será o oficial nas disciplinas em que haverá alteração. Este ano, por exemplo, está previsto mudarem os manuais de inglês do sexto ano de escolaridade. Seria também altura de começar as encomendas de matéria-prima e afinar a impressão dos manuais escolares para os alunos que não vão usar livros de empréstimo. "É o Ministério da Educação quem nos dá uma grandeza dos manuais que são necessários. Assim como é o Ministério da Educação quem é determinante para a fixação dos preços dos manuais. Não podemos imprimir nenhum sem sabermos isso. A convenção é que essas negociações sejam feitas até final de Março. Esperamos que sejam cumpridas”, explica o director de comunicação do Grupo.

Paulo Gonçalves insiste que o grupo “vai fazer todos os possíveis” para assegurar a normalidade necessária na operação escolar, que tem um peso tão relevante no mercado nacional. Mas também em Angola, em Moçambique e em Timor Leste, países onde são donos da Plural Editora que produz e faz expedição a partir … da Maia. Mas nesta fase ainda não consegue antecipar datas nem cenários. Na melhores das hipóteses terá operacional, antes do final do ano, o funcionamento da Zuslog, a empresa responsável pela operação logística do grupo Porto Editora e que assegura, também, o abastecimento do mercado livreiro, e a satisfação das encomendas registadas nas livrarias online Wook e Bertrand.pt.  

Ainda que, neste espaço, os danos sejam de menor monta, o facto é que o abatimento de algumas estruturas sobre as linhas de distribuição onde eram preparadas para expedir não só as encomendas dos consumidores finais como as do retalho (hipermercados, livrarias, retalhistas), impedem o funcionamento desta área durante as próximas semanas. Fernando Miranda, director desta área logística, descreve com exactidão a reacção dos austríacos da Znapp, a empresa que montou esta infra-estrutura logística e que a considerou “modelo” em toda a Europa: “Para eles a melhor solução era montar a fábrica toda de novo. É mais fácil, e dizem eles se calhar mais económico, encomendar o projecto de novo, do que estar a montar e a desmontar os robots e as linhas de distribuição”, enumera.

No pico da época escolar – que normalmente acontece meses entre Junho e Agosto – chegam a expedir dez mil encomendas por dia. “É difícil fazer o cálculo à unidade. Porque tanto enviamos caixas para os retalhistas, com 600 unidades de um só título, como enviamos caixas com diferentes títulos para um cliente final”, explica Fernando Miranda.

Esta é, sem duvida, termina Paulo Gonçalves, uma das situações mais difíceis enfrentadas pelo grupo. Os 180 postos de trabalho que estavam afectos a ambas as áreas, de produção e logística, estão assegurados, mesmo que ninguém saiba quando poderão voltar a trabalhar. A verdade é que dezenas dos trabalhadores apareceram ao serviço e estão a colaborar nas operações de limpeza. Voltando à imagem dos gauleses que temiam que o céu lhes caísse sobre a cabeça, Paulo Gonçalves quer também usar a expressão de “irredutíveis”, que lutarão contra tudo e enfrentarão todos os problemas. “Esta situação veio agudizar as grandes dificuldades que o sector do livro atravessa em Portugal – quer no plano editorial quer no plano das livrarias. Mas vamos fazer todos os possíveis para as superar”, afirmou.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários