Qual o melhor caminho para o sistema de ensino superior em Portugal?

Importa refletir sobre algumas das medidas agora propostas e promover a sua eventual correcção.

A atual discussão pública de diversas iniciativas legislativas, que em muito afetam o sistema de ensino superior português, surge num contexto marcado pela aceitação relativamente consensual na nossa sociedade de dois princípios: a necessidade de se combater a precariedade em todos os setores, nomeadamente no ensino superior, e a necessidade de modernizar as instituições de ensino superior e aumentar o seu grau de exigência.

A vontade de reformar e modernizar é sempre louvável e a forma como o processo se apresenta — como resultado das recomendações emanadas por um organismo internacional contratado para o efeito (OCDE) — também é salutar, pelo que implica de integração no pensar estratégico do sistema, de visões internacionais expectavelmente desempoeiradas e atuais. É por isso importante que não se confunda a necessidade de reformar, com a adoção de medidas de difícil aplicação ou potencialmente nocivas para o todo ou parte de um sistema que, no meio de grandes desafios e dificuldades, não cessou nas últimas décadas de se modernizar, adaptar e procurar desenvolver-se. Porque esse é um facto que todos aqueles que estão na academia, independentemente do subsector em que atuam ou das suas posições ideológicas, não podem negar: nas últimas décadas, o ensino superior em Portugal evoluiu muito e milhares de docentes e discentes que nele trabalham diariamente não deixaram de dar o seu melhor para que assim fosse. Face ao exposto, importa por isso refletir sobre algumas das medidas propostas e promover a sua eventual correção:

– Porquê um espaço tão curto de tempo de período transitório para a aplicação de medidas tão complexas e com tão profundas consequências para as IES? Não será preferível pensar num modelo de adoção mais dilatado e gradual das reformas enunciadas?

– Porquê o enfoque quase exclusivo no regime da “carreira”, desprezando o conceito de tempo integral, com base no qual as instituições desenharam o seu corpo docente próprio, nomeadamente quando em muitos casos não existe sequer enquadramento legal para o mesmo?

– Porquê o desprezo pelo esforço de instituições que se modernizaram acolhendo no seu corpo docente, ao abrigo da aplicação do conceito de especialista de reconhecido mérito, profissionais que trouxeram para dentro das instituições conhecimento essencial, e que agora veem esse esforço pura e simplesmente ser ignorado e o conceito desaparecer do enquadramento legal?

– Porquê a presunção de que a criação de programas doutorais é realizada de costas voltadas para as atividades de I&D, quando todos sabemos que os regulamentos e formulários da A3ES em vigor, há muito que obrigam à indicação da associação entre programas doutorais e uma ou várias unidades de I&D e obrigam à indicação da classificação das mesmas como critério para a acreditação dos programas? Se o objetivo é reforçar esta ligação, não será mais eficaz e correto criar um único sistema de avaliação que junte no mesmo processo a avaliação de unidades de I&D e a acreditação de programas doutorais?

– Porquê a intenção de fazer depender qualquer acreditação de um ciclo de estudos de formação inicial, nomeadamente licenciaturas, da avaliação das atividades de investigação associadas aos mesmos, quando sabemos que tal não consta na própria definição ISCED desses níveis de formação, que a prática da A3ES há muito abandonou este requisito e que cada vez mais — como esta proposta legislativa vem e bem propor — se consolida a prática de criação de cursos de mestrado de curta duração e mais profissionalizantes?

Todas estas são questões essenciais a ponderar num contexto onde só pode haver um caminho para qualquer reforma do nosso sistema de ensino superior: o aumento da diversidade do mesmo e a capacitação das instituições que o integram para que possam cada vez mais e melhor responder às exigências da sociedade e àquilo que os portugueses esperam do seu sistema de ensino superior.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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