Sobre as chamadas “teorias da conspiração”

É precisamente porque o escrutínio do poder é um mecanismo de vigilância insubstituível que as teorias da conspiração só servem para entreter palermas.

A pergunta mais parva que vi ser feita sobre o caso Feliciano Barreiras Duarte, e na qual o próprio se apoiou para edificar a sua teoria da conspiração, é esta: “Então só agora é que repararam no currículo do homem?” Realmente, é coisa extraordinária e nunca vista: investigar o percurso de vida de um político quando ele atinge um nível relativamente elevado de poder. Fernanda Câncio escreveu no DN: “Não posso deixar de anotar que todos estes factos têm anos e surgiram agora, por magia, nos media, quando Barreiras Duarte foi nomeado secretário-geral da direcção de Rio.” De facto, é uma grande e misteriosa magia. Tal como foi por magia que o caso da licenciatura de Miguel Relvas só apareceu quando ele chegou a ministro. Que o caso Tecnoforma só apareceu quando Passos Coelho chegou a primeiro-ministro. Que os inúmeros casos envolvendo José Sócrates só apareceram quando ele tomou conta do país. Que as amantes de Donald Trump só fizeram fila depois de ele ser Presidente dos Estados Unidos. E por aí fora.

Isto não é uma coincidência maldosa – isto é parte essencial do funcionamento democrático. É precisamente porque o escrutínio do poder é um mecanismo de vigilância insubstituível que as teorias da conspiração só servem para entreter palermas. A análise do percurso de um político deve ser tanto mais exigente quanto maior for a sua influência, e nesse sentido interessa pouco saber se alguém soprou ao ouvido de um jornalista “pssst, o currículo do Feliciano” ou se os inimigos de Rui Rio se uniram para o tramar. É raro encontrar no jornalismo político fontes que sejam apenas movidas pelo bem da humanidade. Boa parte delas quer entalar alguém, vingar-se de alguém, remover alguém do seu lugar. O importante não é conhecer o autor da dica, ou quais as suas mais profundas intenções, mas sim saber se a dica é verdadeira e se há algo de realmente inadmissível no comportamento de determinado político.

Significa isto que não existem conspirações? Claro que existem. Mas elas devem tornar-se no centro das atenções apenas se as fontes manipularem os jornalistas com informações que são falsas. Quando o assessor Fernando Lima se encontra com um jornalista num café da Avenida de Roma, aparentemente com o conhecimento do então Presidente da República Cavaco Silva, para lhe falar de umas escutas em Belém que ninguém chegou a descobrir, aí a tese da conspiração torna-se notícia – e bem. Mas esses são casos excepcionais, e quando o jornalista considera que foi propositadamente manipulado com falsas informações deve revelar a sua fonte. Nada disto tem a ver com o caso Feliciano Barreiras Duarte.

O bom jornalista deve estar-se nas tintas para a intenção da fonte A, da fonte B ou da fonte C. A única coisa que importa é saber se aquilo que lhe está a ser transmitido é verdadeiro. Aliás, essa é a prova do algodão para verificar se um jornalista gosta mais de dar notícias ou de fazer política. O jornalista que gosta mais de notícias pode até apreciar muito determinado político, mas investigará a fundo qualquer caso que lhe diga respeito, ainda que isso o faça cair. O jornalista que gosta mais de política do que de jornalismo, tenderá a fazer contas e a traçar cenários, analisará todos os ângulos e conspirações, e munido de excelentes argumentos acabará por quebrar o seu compromisso com a verdade. Este segundo jornalista costuma achar-se muito mais esperto do que o primeiro – mas é o pior tipo de jornalista que há.

 

  

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